A Série FARGO e o homicídio por motivo de relevante valor social.

Na doutrina, como motivo de relevante valor social determinante do homicídio, são comuns as exemplificações envolvendo a morte do traidor da pátria, utilizado pela própria Exposição de Motivos do CP, ou do perigoso bandido em prol da paz e segurança da comunidade que está sob seu jugo.

Sempre atentos aos possíveis enquadramentos penais nos filmes e seriados, para depois transportá-los à sala de aula e utilizarmos na exemplificação das questões teóricas, na primeira temporada da série televisiva Fargo, um homem perigoso chamado Lorne Malvo matou dezenas de pessoas e, depois de ferido por um tiro na perna quando investira contra outra de suas vítimas, sentado no sofá de casa para tratar a lesão, foi surpreendido por um ex-policial, que, de arma em punho, o matou com tantos tiros quantos necessários na defesa da segurança e da vida das pessoas, que ele eliminava gratuitamente. Quando foi morto, era intensamente procurado pelas polícias municipal, estadual e federal, numa verdadeira caçada, tendo o governo posteriormente condecorado seu ex-servidor pela bravura e motivação social do ato. 

A natureza social e a relevância do motivo determinante do homicídio são positivamente avaliadas pelo legislador. Não a ponto de justificação do fato, mas de ensejarem ao autor uma diminuição da pena, considerada, no dizer da Exposição de Motivos do CP, a dose de aprovação e a menor censura da moral prática.  

O motivo social corresponde a um valor ou interesse compartilhado coletivamente, envolvendo intuito e proveito para todos os indivíduos, que a lei o exige relevante, que tenha importância, apreço, representatividade e significado para a sociedade. Relevante sob o ponto de vista da coletividade e não unicamente para o agente, apesar da natureza subjetiva da circunstância.

Assim, quando o indivíduo, sinceramente, age na defesa de um valor social relevante, sua conduta, ainda que lhe represente um proveito como membro, atende mais ao interesse da sociedade. É um agir de menor periculosidade e desajuste, comparativamente a outros motivos determinantes, como a futilidade e a torpeza.

Na época em que era foragido, matar Pablo Escobar, o maior traficante internacional, procurado pela polícia e exército colombianos com a ajuda do departamento norte-americano de combate às drogas, em virtude dos seus milhares e hediondos assassinatos, de mão própria ou por seus sicários, seguramente também se constituiria numa hipótese privilegiadora do delito, pela relevância do valor determinante à sociedade colombiana, atormentada e amedrontada por suas barbáries, se o motivo de eliminá-lo fosse verdadeiramente o de dar cabo ao grande mal que a sua existência representava à sociedade e à ordem pública naquele país, ainda que eventualmente agregada de alguma vaidade pela repercussão mundial do homicídio e notoriedade do autor.

Da mesma forma, por relevante valor social, o assassinato de Osama bem Laden, responsável pelo mais contundente ataque terrorista de nossos tempos, se cometido por um cidadão motivado na causa social de eliminar o líder e fonte permanecente e inesgotável de ideação e execução de outros gravíssimos atos de terror enquanto se mantivesse vivo.

Também não excluiríamos a possibilidade de igual enquadramento típico a quem matasse um temível e contumaz abigeatário[1], assim identificado pela violência cruel empreendida nas pessoas proprietárias ou cuidadoras dos animais que subtraia durante as noites e madrugadas, para sossego, segurança e incolumidade da comunidade rural, assustada e acovardada pelos rotineiros eventos sem punição e desprotegida de um tempestivo atendimento dos órgãos oficiais de proteção devido à distância e o tempo necessário para deslocamentos entre a cidade e o campo.

Ainda que de ocorrência incomum, encontradiço mais nos livros de doutrina do que nos julgados dos tribunais, o homicídio por relevante valor social é uma possibilidade de motivação homicida reconhecida pela lei penal brasileira, que enseja ao autor a diminuição da pena ordinariamente cominada.


[1] Abigeatário é quem pratica abigeato, espécie de crime de furto que envolve a subtração de animais, principalmente domesticados, como animais de carga e animais para abate, no campo e fazendas, prevista no § 6º do art. 155 do CP.

Share this