Homicídio qualificado pela torpeza do motivo determinante.

Os motivos determinantes.

Folheando as páginas da Parte Especial do CP, não encontramos delito que comporte tipificações privilegiadora e qualificadora com tamanha gama de motivos determinantes quanto o homicídio: valor social ou moral, inveja, desconfiança, raiva, ódio, vingança, ciúme, despeito, prazer de matar, vaidade criminal, cupidez, ambição, concorrência, luxúria, desejo sexual, orgulho ultrajado etc.

O CP sopesa mais benevolamente as motivações sociais e morais, através da figura do homicídio privilegiado, reservando aos motivos imorais ou antissociais a forma qualificada do delito, a partir da paga ou recompensa, como espécie de motivo torpe.

A paga ou promessa de recompensa.

O inc. I do § 2º do art. 121 do CP prevê o homicídio cometido mediante paga ou promessa de recompensa.

Doutrinariamente designado homicídio mercenário, envolve no mínimo duas pessoas, quem manda matar, pagando ou prometendo recompensa, e quem mata por receber o pagamento ou pela promessa de pagamento. Crime bilateral ou de concurso necessário[1]. Nada impede a participação de maior número de mandantes ou matadores.

Nossos autores, formando maioria[2], interpretam que a recompensa deve ter expressão econômica (dinheiro; bens móveis ou imóveis; títulos ou ações de empresas; perdão de dívida; emprego ou promoção profissional etc.).

Assim, uma relação sexual praticada ou prometida pela mulher ao matador do marido não configura a qualificadora, tampouco a promessa de casamento do mandante ao sicário, no exemplo de Damásio de Jesus, que dissente da opinião dominante.[3]

Com ou sem valor econômico, paga tem o significado de recompensa dada antes do homicídio. É um pagamento do homicídio à vista.

A promessa de recompensa, no seu ínsito significado de algo a ser feito depois, não no presente, é o pagamento do homicídio à prazo, para ser efetivado somente depois do cometimento do crime. É uma expectativa de paga, que, como tal, pode ser frustrada pelo mandante inadimplente.

Também de modo majoritário, autores e tribunais não reconhecem a  comunicação automática desta circunstância qualificadora entre o mandante e o sicário, especialmente em face da regra do art. 30 do CP[4], determinante da incomunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime, sob o argumento de que a paga ou promessa não é circunstância elementar, mas circunstância acidental do delito, e nem sempre o motivo determinante da contratação do sicário é torpe, tal qual ocorre no corriqueiro exemplo doutrinário do pai que contrata pistoleiro para matar o estuprador da filha, motivado por um relevante valor moral.

Assim tem decidido o STJ[5], que apenas reconhece a qualificadora, pela torpeza do motivo e não pela paga ou promessa de recompensa, e isto, venia concessa, é óbvio, quando a motivação do mandante for abjeta, desprezível ou repugnante, como no caso de ter prometido recompensa ao matador para usufruir, com a morte da vítima, as vantagens que ela obtinha com sua substituição no cargo que exercia na prefeitura municipal[6].

Pensamos diferente.

Comunica-se a paga ou promessa de recompensa entre o contratante do homicida de aluguel e o matador  vil,[7] porque é uma circunstância da “essência” do homicídio mercenário como figura penal incriminadora, e não meramente acidental. Impossível imaginar-se o homicídio mercenário sem a participação mínima de duas pessoas, a que contrata e a pessoa contratada. Inexistindo a figura do mandante, o crime mercenário não tem vez, não se perfaz. É o mandante quem suscita, provoca e assegura, pela paga ou promessa de recompensa ao executor, o cometimento do homicídio. É o mandante quem suscita, provoca e fomenta a torpeza, como referência psicológica e espiritual da ação de matar por aluguel. Não há como deixá-lo à margem do processo anímico de elaboração motivacional do homicídio.

Por conseguinte e ao contrário da exegese da maioria, a interpretação correta está em ver, exatamente na regra do art. 30 do CP, a base legal do automático alcance da circunstância ao mandante, sendo irrelevante, à esta comunicação, a natureza ou índole do motivo que possa ter levado o mandante à contratação do executor do homicídio.

Nela embasados, seguimos a lição de BUSATO, que, após referir “se a paga ou promessa de recompensa é considerada motivo torpe, este motivo é uma elementar subjetiva do tipo, devendo comunicar-se entre os agentes”, didática, categórica e definitivamente conclui a respeito do tema: “Parece induvidoso, data venia, que constitui um elemento e não meramente uma circunstância do crime, tudo aquilo que o define como tipo, vale dizer, aquilo que pertence à imputação, claramente deve ser considerado elementar, enquanto que circunstância deve restringir-se àquelas que podem ser reconhecidas ou não sem desnaturar a imputação, ou seja, sem gerar as hipóteses de mutatio libelli  ou ementatio libelli. Neste contexto, é possível dizer que a qualificadora da paga ou promessa de recompensa integra o tipo, como sua elementar.”[8]

Outro motivo torpe.

A parte final do inc. I do § 2º do art. 121, ao consignar “ou por outro motivo torpe”, permite, mediante interpretação analógica, a inclusão no tipo, como se nele estivesse expressamente especificado, qualquer outra causa moral da conduta homicida, que a exemplo da paga ou promessa de recompensa, seja vil, ignóbil, ofensiva ao sentimento ético da comunidade[9], reveladora da perversidade de caráter.

Na definição oferecida pela Exposição de Motivos do CP de 1940, torpe é “o motivo que incita a aversão ou repugnância geral, v.g.; a cupidez, a luxúria, o despeito da imoralidade contrariada, o prazer do mal, etc.”[10]

Damásio de Jesus expõe e exemplifica: “Motivo torpe é o moralmente reprovável, demonstrativo de depravação espiritual do sujeito. Torpe é o motivo abjeto, desprezível. Ex.: matar alguém para adquirir-lhe a herança, por ódio de classe, vaidade e prazer de ver sofrer”[11].

Hipóteses de motivações torpes:

Exemplificativamente, pode revelar-se a torpeza no homicídio:

1) Quando cometido entre quadrilhas de drogas para monopólio do comércio na região ou para assunção do comando da organização. Disputas territoriais entre traficantes rivais, afirmação de códigos de condutas no interior dos grupos de traficantes, eliminação de informantes e concorrentes são fatos comuns no mundo do tráfico de drogas.

2) Praticado por homofobia. O Observatório do Terceiro Setor relata o caso da travesti Dandara Kettley, de 42 anos, brutalmente assassinada em 15 de fevereiro de 2017, que ficou conhecido nacionalmente cerca de duas semanas depois, quando as imagens gravadas pelo celular de um dos agressores foram divulgadas nas redes sociais. “No vídeo, Dandara aparece sendo agredida com chutes, um chinelo e até um pedaço de madeira. Ensanguentada e com uma blusa amarela nas mãos, ela tenta limpar os ferimentos e diz “Não bate mais não, por favor”. Além de lhe insultarem por conta de sua orientação sexual, os agressores ameaçam: “Vou te matar se não sair fora daqui”. Depois do espancamento, colocaram Dandara em um carrinho de mão e a levaram para outro local. Depois, Dandara recebeu dois tiros no rosto e foi apedrejada, falecendo por traumatismo craniano. De acordo com um relatório produzido pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), o Brasil continua a ser o país que mais mata pessoas transsexuais e travestis no mundo. Em 2019, foram confirmados 124 casos de assassinatos de pessoas trans no país”. Na capital de São Paulo, 2018, conforme publicado no G1, transexual com 21 anos de idade foi morto por inúmeros golpes desferidos na cabeça com um pedaço de madeira, quando se encontrava num ponto de encontros da Alameda dos Tacaúnas.Para recebimento de seguro de vida da vítima. Em 2016, três pessoas de uma mesma família foram presas pelo cometimento de homicídio para ficar com o dinheiro dos seguros de vida de um parente, cerca de R$ 120 mil[12]. Em outubro de 2020, na Baixada Fluminense, uma mulher matou para receber o valor do seguro de vida do companheiro[13]. Em 2018, no Ceará, depois do casal haver contratado seguro de vida no valor de um milhão de reais, o homem simulou acidente e matou a mulher para receber o seguro.[14]

3) Por causa de dívida não paga pela vítima. Em julho de 2019, em Timon, cidade a 450 km de São Luís, matou o amigo a pauladas por conta de uma dívida no valor de apenas R$ 10[15]. Um homem que matou uma colega de trabalho por dívida de R$ 500, foi condenado pelo júri de Contagem, Minas Gerais, a 17 anos de reclusão.[16] Em Betim, Minas Gerais, agosto de 2020, um traficante de drogas assassinou uma jovem grávida de dois meses com 14 tiros de revólver por causa de uma dívida da vítima de cinco mil reais.[17]

4) Por vaidade criminal. “Entre as impensáveis manifestações de vaidade, é intrigante a vaidade decorrente do ato criminoso, que aparentemente rompe a preferência por episódios apreciáveis e conjuga-se ao condenável acompanhando-o ao cabo de sua reprovação, qual seja a execução da pena, para manifestar-se no cárcere com a mesma naturalidade com que se propaga em qualquer outro ambiente,” diz Cristiane Bianco Panatieri em seu Trabalho de Conclusão apresentado no Curso de Especialização em Criminologia e Segurança Pública da Universidade Federal de Goiás, intitulado Vaidade Criminal: o poder da ostentação, cuja leitura recomendamos.

5) Em virtude de denúncia feita pela vítima à polícia. Hipótese nada incomum, ocorreu com um advogado e vereador conhecido defensor dos direitos humanos, assassinado em razão das suas denúncias de grupos de extermínio que agiam impunes há mais de uma década no nordeste do país. As ações dos grupos denunciados pelo vereador resultaram em cerca de duzentos homicídios com características de execução sumária e com suposta participação de particulares e autoridades estaduais, tendo, inclusive, assassinado testemunhas envolvidas.

6) Por justiçamento. De acordo com o livro Linchamentos: a justiça popular no Brasil (Editora Contexto, 2015), do sociólogo José de Souza Martins, nos últimos 60 anos, cerca de um milhão de brasileiros participaram de ações de justiçamento de rua. Nos anos 80, a maior parte das vítimas era acusada de cometer crimes como roubo e furto. Nos anos 90 e 2000, os justiçamentos populares foram por crimes de sequestro e estupro.

Relata o Observatório do Terceiro Setor, que no mês de abril de 2014, “uma notícia falsa publicada na página ‘Guarujá Alerta’, do Facebook, falava de uma suposta sequestradora de crianças atuando no Guarujá, cidade da Baixada Santista, no litoral de São Paulo. A notícia ainda dizia que os sequestros tinham como motivo rituais de magia negra. O boato logo se espalhou entre os moradores do bairro de Morrinhos IV, na periferia da cidade. Foi divulgado até um retrato falado da suposta criminosa. No dia 3 de maio de 2014, uma mulher de 33 anos, foi ao cabeleireiro para realizar um corte. Seu cabelo, que era comprido e escuro, foi cortado na altura dos ombros e pintado de loiro. Após a mudança radical, ela decidiu visitar parentes no seu antigo bairro para mostrar o novo visual. Foi até lá de bicicleta e passou na igreja que frequentava para pegar a bíblia, que havia esquecido durante o último culto. Ao chegar ao bairro, parou para tomar uma cerveja no bar. Foi quando viu um menino com fome e decidiu lhe dar uma banana. Uma moradora, ao vê-la com a bíblia na mão alimentando a criança, já a associou à ‘bruxa’ e entendeu que estava acontecendo um novo sequestro: “É ela!”. Repentinamente, várias pessoas se juntaram ao redor e amarraram as mãos da vítima. Fabiane foi arrastada pela rua, chutada e espancada. Os moradores que não estavam participando diretamente da ação gravaram tudo com seus celulares e divulgaram os vídeos na internet após o ataque. O linchamento durou cerca de 30 minutos e ela morreu dois dias depois do ocorrido.[18]

O documentário A Primeira Pedra, de Vladimir Pereira Seixas, sem exibir cenas explícitas de linchamento, permite, ainda que através de imagens embaçadas, constatar-se a desumanidade das cenas. Para compor o documentário, o diretor entrevistou pesquisadores, familiares das vítimas e pessoas que sofreram uma tentativa de linchamento. Após, pelo material e diversas informações recolhidas, constatou que o justiçamento ganhou força no Brasil durante três momentos históricos: a ditadura Vargas, a ditadura civil militar e atualmente. Ou seja, quando o pensamento autoritário está em alta, os linchamentos tornam-se mais frequentes.  O documentário põe a descoberto, de modo impactante, a questão dos direitos humanos e o racismo estrutural no Brasil, obtendo diversas premiações e indicado ao Emmy Internacional 2019 na categoria Melhor Documentário[19]

Ciúme e a torpeza.  

O ciúme não é uma motivação torpe. Mesmo possa mostrar-se demasiado e reprovável, pela contundência ou insistência da sua manifestação e afetação do equilíbrio emocional do agente, sem outras circunstâncias[20], como a vingança[21], não caracteriza torpeza[22].

Sentimento do qual ninguém geralmente escapa, pode causar acentuado desequilíbrio emocional a ponto de desencadear instintos primitivos de agressividade e posse obsessiva[23], mas não é vil ou repugnante.

Torpe é o homicídio cuja motivação determinante é ofensiva da moralidade média ou do sentimento ético social comum. Para qualificar o crime, a reação homicida extravasada de um simples sentimento de ciúme necessariamente deve ir além e transmudar-se em puro sentimento de desforra, de vingança.

Nesse sentido, o STJ, num caso em que o réu matou a ex-namorada de forma brutal pelo simples fato de estar com ciúmes de uma pessoa que sequer a vítima conversava, exatamente pelo exame e avaliação dessa circunstância, reconheceu a viabilidade do ciúme como motivo torpe. A reação do réu teria extravasado de um simples sentimento de ciúme e projetado na caracterização da vingança, que sob a ótica de uma consciência mediana pode ser desprezível ao ponto de ser considerado torpe.[24]

Vingança e a torpeza.

A vingança, como ato de represália, desforro, castigo, punição, é sempre uma motivação juridicamente desvaliosa, pelo seu significado de desconformidade com os padrões de conduta estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Quem vinga, não percorre o caminho sinalizado pelos comandos jurídicos. Como bem diz Busato, “Obviamente, em uma sociedade de padrão desejável, a vingança não é um valor moralmente apreciável ou positivo”[25].

Mas nem sempre é torpe, depende do móvel que a originou.

Para Mirabete, “a vingança pode constituir o homicídio torpe, mas é necessário que esteja eivada de torpeza, que cause repulsa segundo os valores éticos correntes”[26].

Para Busato, se deve “observar topicamente se a vingança que inspira o autor ofende ou não a moralidade média ou os princípios éticos dominantes. É mais do que evidente que a solução será sempre tópica, merecendo a análise caso a caso”[27].

Assim, podemos dizer que a vingança do traficante, em razão do não pagamento da droga pelo usuário, é torpe, ou que há torpeza na motivação de matar o magistrado para vingar-se o agente da condenação que o infligiu em processo criminal.

Porém, a vingança para vingar a morte do pai, ocorrida quando o agente era criança e de forma violenta, tendo sido o pai, depois morto, jogado aos porcos, não o é, decidiu o STJ[28].

Também, a morte do estuprador da filha, inclusive reconhecida hipótese de homicídio privilegiado pela relevância do valor moral, apesar de ato de vingança, não configura a torpeza qualificadora do crime.

Depende, portanto, a vingança qualificadora do homicídio, de verificação das peculiaridades de cada caso concreto, não havendo um juízo prévio a respeito, seja positivo ou negativo.[29]

Souza Nucci escreve:

“A moral média – espelhada em livros, revistas, contos, novelas, filmes etc. – nem sempre elege a vingança como motivo a causar asco à sociedade. Fosse assim e não existiriam tantas histórias contendo a vingança como pano de fundo, justamente praticada por aquele que foi agredido injustamente e resolve fazer justiça pelas próprias mãos. Não se quer com isso dizer que a vingança é motivo justo ou mesmo ideal de agir, embora não se deva desconhecer que a torpeza é a motivação vil, denotativa de repulsa social ao ato praticado; daí por que nem sempre a sociedade irá considerar torpe uma vingança. Sem falso moralismo, é preciso que o juiz tenha muita cautela antes de acolher a agravante do motivo torpe fundada na vingança.”[30]


[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte especial. 20 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020, vol. 2. Edição do Kindle: “Trata-se, nessa modalidade, de crime bilateral ou de concurso necessário, no qual é indispensável a participação de, no mínimo, duas pessoas: quem paga para o crime ser cometido e quem o executa pela paga ou recompensa.”

[2] Dentre os clássicos, por exemplo, HUNGRIA, FRAGOSO e MAGALHÃES NORONHA. Dentre os autores contemporâneos, BITENCOURT: “[…] adotamos o entendimento de que a paga ou promessa de recompensa deve ter natureza econômica, que é o fundamento que move o autor imediato a praticar praticar o crime. Na verdade, a qualificação do crime de homicídio mercenário justifica-se pela ausência de razões pessoais para a prática do crime, cujo pagamento caracteriza a sua torpeza. A maior reprovabilidade do “crime mercenário” repousa na venalidade do agente. Os mandados gratuitos não qualificam o crime, tampouco eventuais benefícios concedidos a posteriori, com relação aos quais não haja acordo prévio. No entanto, não é pacífico o entendimento de que somente a paga ou promessa de recompensa de natureza econômica qualificam o crime, embora seja a orientação dominante.” (Tratado de Direito Penal. Parte especial. 20 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020, vol. 2. Edição do Kindle).

[3] “Não é preciso que a paga ou a recompensa seja em dinheiro, podendo ser promessa de casamento, emprego etc.” –  Direito Penal – Parte especial. 36 ed., atualizada por André Estefam. São Paulo: Saraiva, 2020, vol. 2, Edição do Kindle (Locais do Kindle 2064).

[4] “Em primeiro lugar, deve-se lembrar que o art. 30 do CP estabelece que as circunstâncias subjetivas não se aplicam aos concorrentes da infração (são incomunicáveis). Além disso, o motivo do mandante é diferente, nesse caso, do móvel do executor. Este age por dinheiro, aquele, por exemplo, por vingança.” (ESTEFAM, André. Direito Penal. Parte especial. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, vol. 2.  Edição do Kindle).

[5] “Os dados que compõem o tipo básico ou fundamental (inserido no caput) são elementares (essentialia delicti); aqueles que integram o acréscimo, estruturando o tipo derivado (qualificado ou privilegiado) são circunstâncias (accidentalia delicti).  No homicídio, a qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa é circunstância de caráter pessoal e, portanto, ex vi art. 30 do C.P., incomunicável. É nulo o julgamento pelo Júri em que o Conselho de Sentença acolhe a comunicabilidade automática de circunstância pessoal com desdobramento na fixação da resposta penal in concreto. Recurso provido” (REsp n. 467.810/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, julgado em 20/11/2003, DJ 19/12/2003, p. 576); “No homicídio, a qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa é circunstância de caráter pessoal e, portanto, ex vi art. 30 do CP, incomunicável” (HC 78.404-RJ, Quinta Turma, relator Ministro Felix Fischer, julgado em 27/11/2008, DJ 08/09/2009); “No homicídio do tipo mercenário, a qualificadora relativa ao cometimento do delito mediante paga ou promessa de recompensa é uma circunstância de caráter pessoal, não passível, portanto, de comunicação aos coautores ou partícipes, por força do art. 30 do Código Penal” (RHC 14.900-SC, Quinta Turma,  relator Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 17/06/2004, DJ 09.08.2004, p.277); “Dispõe o art. 30 do CPB que são incomunicáveis as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime; desta feita, tendo em vista que na apropriação indébita a causa de aumento de pena prevista no § 1.º do art. 168 do CPB (receber a coisa em razão do ofício, emprego ou profissão) é circunstância de caráter pessoal, forçoso o reconhecimento de sua incomunicabilidade aos demais agentes” (REsp 1.065.472-AL, Quinta Turma, relator Ministro  Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 04/08/2009, DJ 24/08/2009).

[6] No REsp 1.209.852, Sexta Turma, sob a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, decidiu: “Não obstante a paga ou a promessa de recompensa seja circunstância acidental do delito de homicídio, de caráter pessoal e, portanto, incomunicável automaticamente a coautores do homicídio, não há óbice a que tal circunstância se comunique entre o mandante e o executor do crime, caso o motivo que levou o mandante a empreitar o óbito alheio seja torpe, desprezível ou repugnante. Na espécie, o recorrido teria prometido recompensa ao executor, a fim de, com a morte da vítima, poder usufruir vantagens no cargo que exercia na Prefeitura Municipal de Fênix.  Recurso especial provido, para reconhecer as apontadas violações dos arts. 30 e 121, § 2º, I, ambos do Código Penal, e restaurar a decisão de pronúncia, restabelecendo a qualificadora do motivo torpe, a fim de que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal.” (julgamento em 15/12/2015 e DJE de 02/02/2016).

[7] Nesse sentido: Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 538, p. 348. Na doutrina: “Respondem pelo crime qualificado o que praticou a conduta e o que pagou ou prometeu a recompensa.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte especial. 20 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020, vol. 2. Edição do Kindle). “Os dois sujeitos respondem pela forma qualificada: o que executou a conduta e o que pagou ou prometeu a recompensa” (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte especial. 36 ed. Atualizada por André Estefam. São Paulo: Saraiva, 2020. Edição do Kindle. Locais do Kindle 2062-2063). Também favoráveis, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Especial. 10 ed. Atualizada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1998, vol. I, p. 62; MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, vol. IV, p. 103; MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal, vol. 2, p. 50. Em sentido contrário: “Em primeiro lugar, deve-se lembrar que o art. 30 do CP estabelece que as circunstâncias subjetivas não se aplicam aos concorrentes da infração (são incomunicáveis). Além disso, o motivo do mandante é diferente, nesse caso, do móvel do executor. Este age por dinheiro, aquele, por exemplo, por vingança. Há julgados, entretanto, que admitiram a comunicabilidade de tal circunstância ao mandante do delito quando este também for inspirado em razões subjetivas torpes, desprezíveis, revelando ser esta, inclusive, a orientação majoritária em nossos tribunais. Veja, por exemplo, o seguinte acórdão: “(…) Não obstante a paga ou a promessa de recompensa seja circunstância acidental do delito de homicídio, de caráter pessoal e, portanto, incomunicável automaticamente a coautores do homicídio, não há óbice a que tal circunstância se comunique entre o mandante e o executor do crime, caso o motivo que levou o mandante a empreitar o óbito alheio seja torpe, desprezível ou repugnante – STJ, REsp 1209852/PR” (ESTEFAM, André. Direito Penal. Parte especial – Vol. 2 – 7ª edição de 2020.  Edição do Kindle).

[8] BUSATO, Paulo César. Homicídio mercenário e causas especiais de diminuição de pena. Um paradoxo dogmático – https://emporiododireito.com.br/leitura/homicidio-mercenario-e-causas-especiais-de-diminuicao-de-pena-um-paradoxo-dogmatico.

[9] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal – Parte Especial. 20 ed. São Paulo: Saraiva,  1984, vol. II, p.  31.

[10] Item 38.

[11] Direito Penal. Parte Especial, atualizado por André Estefam. 36ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, vol. II. Edição do Kindle (Locais do Kindle 2059-2061). Na clássica definição de NELSON HUNGRIA, “motivo torpe é o motivo que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético-social.” (Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol. V, p. 163).

[12] Fonte https://extra.globo.com.

[13] Fonte: https://www.metropoles.com

[14] Fonte: https://g1.globo.com.

[15] Fonte: https://g1.globo.com

[16] Fonte: https://www.hojeemdia.com.br.

[17] Fonte: https://www.em.com.br.

[18] Fonte: www.observatorio3setor.org.br

[19] Fonte – www.observatorio3setor.org.br

[20] STJ, HC 123.918/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, julgado em 13/08/2009 e DJE de 05/10/2009; AgRg no AREsp 569047/PR, Sexta Turma, Relator Ministro Ericson Maranho, desembargador convocado, julgado em 28/04/2015 e DJE 06/05/2015.

[21] “Correta a incidência da qualificadora relativa ao motivo torpe, pois o paciente por ciúme e vingança, ao pensar que a vítima, antiga namorada, mantinha relacionamento com outro homem, após espancá-la, desferiu-lhe um tiro.” (STJ, RHC 7593/MS, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 30/06/1998 e DJ de 24/08/1998). No mesmo sentido e tribunal: HC 123.918/MG, Quinta Turma, relator Ministro Felix Fischer, julgado em 13/08/2009 e DJE de 05/10/2009; RHC 7593/MS, Sexta Turma, relator Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 30/06/1998, DJ 24/08/1998.

[22] STJ, REsp 171.627/GO, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, julgado em 21/09/1999 e DJE de 18/10/1999.

[23] Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do RGS, nº 135, p. 35.

[24] HC 123.918, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, julgado em 13/08/2009 e DJE de 05/10/2009.

[25] BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte especial. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2017, vol. 2, p. 39.

[26] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal interpretado. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 772.

[27] BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte especial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, vol. 2, p. 39.

[28] STJ, REsp 1637001/PR, Sexta Turma, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/12/2007 e DJe de 19/12/2017: “A vingança como motivo é aquela que mais vivamente ofende a moralidade média, o senso ético social comum. É o motivo abjeto, repugnante, indigno. A realidade fática, as características do acontecimento, as peculiaridades relevantes e as condições das pessoas envolvidas é que nortearão o intérprete na acolhida ou na repulsa do gravame. 2. Embora reprovável, não se pode acoimar de repugnante o sentimento do acusado no presente caso, que matou a vítima para vingar a morte de seu pai, a qual ocorreu quando o réu era criança e de forma violenta, pois, depois de ser morto, seu pai fora jogado aos porcos. Tal circunstância, no passado, afasta, de plano, a apontada torpeza do motivo. 3. Permite-se a exclusão das qualificadoras do crime de homicídio quando manifestamente improcedentes, isto é, quando completamente destituídas de amparo legal, como na hipótese.  Recurso especial conhecido e não provido.”

[29] STJ, HC 80.107/SP, Quinta Turma, relator Ministro Félix Fischer: “A verificação se a vingança constitui ou não motivo torpe deve ser feita com base nas peculiaridades de cada caso concreto, de modo que, não se pode estabelecer um juízo a priori, seja positivo ou negativo. Conforme ressaltou o Pretório Excelso: a vingança, por si só, não substantiva o motivo torpe; a sua afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação de torpeza do motivo do crime, que há de ser aferida à luz do contexto do fato.”(HC 83.309/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06/02/2004)”, julgado em 08/11/2007, DJe 25/02/2008.

[30] Código Penal Comentado, 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, comentários ao art. 61, nota 36.

Share this