Votação zero e fraude eleitoral – candidaturas femininas.

Relativamente às eleições de 2016, o MPE ajuizou inúmeras AIMEs no país por fraude eleitoral à reserva de gênero (art. 14, § 10 da CF), baseadas na votação zero, falta de campanha e de material publicitário por mulheres candidatas à vereança, circunstâncias estas que evidenciariam o artificialismo das candidaturas femininas, feitas para o fim único e exclusivo de preenchimento da reserva de gênero (art. 10 § 3º, da LE) e obtenção do DRAP.

No entanto, pelo teor das sentenças que têm sido proferidas, sem o pretendido sucesso, notadamente considerada a dimensão nacional do movimento institucional do MPE.

E não poderia ser diferente, porque as circunstâncias votação zero, falta de campanha e de material publicitário , de per si ou em conjunto consideradas, não passam de meras suspeitas, de indícios de fraude.

Não são elementos probatórios suficientes, pois não são inequívocos nem consistentes.

Não são inequívocos porque permitem interpretações diversas, conforme o prisma que se assuma para avaliar o mesmo fato. Em face dessa maleabilidade interpretativa, também não são consistentes.

Vejamos: se, para o MPE, essas três circunstâncias autorizariam a presunção de fraude, uma vez que nem mesmo a candidata votou em si, o que sugere a ficção da candidatura, só para preenchimento do requisito legal da reserva de gênero em favor do partido ou coligação, também autorizariam, aí a maleabilidade valorativa, e isto se presunção pudesse ser feita à custa do mandato eletivo outorgado pela soberania popular, uma outra presunção, bem diferente desta, no sentido de que a coligação e seus partidos, então mentores e beneficiários da fraude, para consolidar a eleição de seus membros, providenciariam, ainda que no mínimo dos mínimos, mas o suficiente para que não fosse tão facilmente assim evidenciada a fraude, alguns materiais publicitários de baixo custo, como os santinhos, orientado as candidatas femininas a fazerem contatos com os vizinhos mais próximos ou com alguns conhecidos, em um faz de conta de campanha e busca de votos, e especialmente, concitado a que votassem em si mesmas, a não deixaram a votação pessoal in albis, “zerada”, tirando das mãos do MPE sua presumível “evidência”. Bastariam dois, três, quatro, cinco votos. Uma quantidade qualquer, apenas para sair do zero, facilmente realizável pela soma de votos da própria candidata, de seu cônjuge, de um dos seus filhos, de um só familiar, amigo ou companheiro de partido, e a fraude à reserva de gênero estaria encoberta. Tão acirradas costumeiramente são as campanhas eleitorais que, se verdadeiramente a tivesse planejado, montado e executado, a coligação e partidos, então, e aí sim, compreensível e factível presunção, não permitiriam fosse a fraude tão obviamente descoberta pelo zero votos. Não é lógico nem razoável presumir-se o oposto.

Exatamente por isso, o TRE-RS já se pronunciou no sentido de que o fato das candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, não é condição suficiente, por si só, para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção (RE 78101).

Para que possam servir aos fins pretendidos, necessariamente devem ser reforçadas por elementos de convicção da fraude recolhidos na instrução processual, até para que esta não se faça providência judicial inútil e aberrante. Devem passar pelo cotejo, especialmente com o depoimento da candidata e suas explicações sobre a decisão de lançar-se ao pleito e de não haver mantido a candidatura, pois é perfeitamente possível, como fato de realidade, que a candidata, com razões de vida suficientes para concorrer, decidiu candidatando-se por decisão própria, ainda que com o aproveitamento da oportunidade aberta pela reserva de gênero, mas sem predisposição, ajuste ou combinação com o partido ou coligação de renunciar depois do registro, e percebido, no decorrer da campanha, que o simples desejo pessoal de assunção da vereança não seria o suficiente para obtenção do sucesso nas urnas, sentido a enorme dificuldade de apoio ao desafio de candidatura inédita frente a concorrentes experientes em estratégias eleitorais e desistido de manter-se candidata.

A desconstituição do resultado de uma eleição, com a alteração da vontade popular soberanamente manifestada nas urnas, cassando mandado eletivo, exige prova robusta da conduta ilícita, prova cabal, porque forte, consistente e inequívoca. Na dicção do TSE, “A ação de impugnação de mandato eletivo exige a presença de prova forte, consistente e inequívoca” (RE n.º 28.928).

Antes de um conceito técnico, prova robusta é uma impositiva medida de justiça adotada pela necessidade de o julgador trafegar com maior cautela o tortuoso caminho entre as alegações e a conclusão sentencial nos casos eleitorais. E, como visto, aquelas três circunstâncias não sendo consistentes nem inequívocas de fraude, não formam prova robusta e, portanto, são inaptas para embasar a procedência da AIME por fraude à reserva de gênero.

Ainda a observar o seguinte: votação zero, falta ou diminuto empenho na campanha, de publicidade ou até mesmo a promoção de outras candidaturas, são comportamentos individuais não controláveis posteriores ao registro e deferimento do DRAP. Controlável, porque factível de realização pela Justiça Eleitoral, é a verificação do atendimento à regra da reserva de gênero ao tempo do registro das candidaturas, quando se atinge o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa (TRE/RS, AIME nº 76677; RE nº 41743; RE nº 12428; RE nº 21498).

Share this