O acordo de não persecução é um direito do investigado ou poder do MP?
O ANPP é um negócio jurídico extrajudicial que pode ser celebrado na fase pré-processual, mas necessariamente homologado pelo Poder Judiciário, de efeitos híbridos, pois reflete no na instauração do processo criminal, de ordem processual, e na extinção da punibilidade, de ordem material.
Diferentemente de outros institutos mais benignos, não convive com interpretação de que, satisfeitas as exigências legais, constitua-se em direito subjetivo, numa faculdade outorgada pelo direito objetivo ao investigado.
Razão está em que o art. 28-A, do CPP, preceitua que o Ministério Público poderá e não deverá propor ou não o acordo, pois é o titular absoluto da ação penal pública.
O processo penal brasileiro tem na acusação pública sua principal fonte de instauração.
Por consciente opção do legislador constituinte, regra geral, a ação penal é exercida privativamente pelo Ministério Público.
Na legislação penal, são poucos os crimes que excepcionam a regra, demandando, para o processo, a iniciativa acusatória privada.
No exercício da acusação pública, o Ministério Público é o próprio Estado, detentor de parcela de soberania estatal que o poder de acusar expressa.
Poder que não é arbitrário, mas vinculado aos padrões estabelecidos pela lei processual penal, cujo exercício deve ser em absoluto respeito ao primado da dignidade da pessoa humana e a outros caros princípios estruturantes do processo penal proclamados pela mesma Constituição que o assegura.
Do poder de acusar, reconhecidamente decorrem poderes implícitos, tais como de promover o arquivamento do expediente investigatório, desenvolver investigação criminal própria e requisitar a instauração de inquéritos e diligências.
O ANPP insere-se dentre estes poderes implícitos, de implementação de política criminal despenalizante que viabiliza soluções penais ágeis e proporcionais aos delitos de média gravidade fora do processo judicial.
Na dicção do STF, o art. 28-A é muito claro ao estabelecer que o Ministério Público “poderá” propor acordo de não persecução penal, desde que “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, mediante condições. Não determina ao Ministério Público nem garante ao investigado direito subjetivo em celebrá-lo. Simplesmente permite ao parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição.[1]
Em face deste contexto constitucionalizado do processo penal, ao juiz ou tribunal é vedado substituir o Ministério Público em atuação privativa da Instituição.
Portanto, o ANPP não pode ser obtido pela via judicial em sede de habeas corpus, mandado de segurança ou qualquer outra modalidade de ação: “É vedada a substituição da figura do Ministério Público pela do juiz na celebração do acordo de não persecução penal, instrumento jurídico extrajudicial concretizador da política criminal exercida pelo titular da ação penal pública cuja homologação judicial tem natureza meramente declaratória.”[2]
Nem pode ser a celebração do acordo uma ordem judicial.[3] Tal qual se dá na promoção de arquivamento, a palavra final é do Ministério Público (art. 28 do CPP), exclusivamente.
Isso não significa que a recusa do agente ministerial à sua celebração seja definitiva, irrecorrível, transformando o redondo em quadrado. Pode ser reexaminada, mas mediante recurso administrativo e pelo próprio Ministério Público, por seus órgãos superiores § 14 do art. 28-A do CPP).
[1]AgR no HC 195.327, relator Ministro Alexandre de Moraes, publicado em 13/4/2021.
[2]STJ, AgRg no HC 685200/RJ, Quinta Turma, relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgamento em 24/08/2021 e DJe 30/08/2021.
[3] STF, HC 194.677/SP, Segunda Turma, relator Ministro GILMAR MENDES, julgado em 11/05/2021, Informativo STF 1.017.