Poços artesianos e outorga do poder público.

Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Poços artesianos são de uso corriqueiro nas praias do Rio Grande do Sul. Proprietários de residências, de hotéis, de estabelecimentos comerciais etc., contratam serviços de perfuração e se abastecem do recurso hídrico para abastecimento humano, conservação de jardins, lavagens de automóveis, fachadas de prédios, casas, calçadas e outros usos.

Na maior parte das vezes, assim agem sem prévia autorização do poder público competente. Usam um recurso que é finito e que pertence a todos como se fossem os únicos titulares e interessados. A água subterrânea é recurso natural, de domínio público e essencial à concretização dos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado a Lei da Política Nacional  de Recursos Hídricos,[1] que estabelece a necessidade de outorga para a extração de água de aquífero subterrâneo por meio de poços artesianos, seja para consumo final ou como insumo de processo produtivo.[2]  

E a lei que disciplina o saneamento básico, em seu art. 45, § 2º, veda a quem possui instalação hidráulica predial ligada à rede pública abastecer-se de fontes alternativas.[3]

Estes dois diplomas legais federais, pois compete privativamente à União legislar sobre águas,[4] devem ser fielmente respeitados pelos Estados e Municípios.

As normas locais estão vinculadas às premissas básicas definidas pela legislação federal, razão pela qual, estatuto editado por Estado, Distrito Federal ou Município que contrarie as diretrizes gerais fixadas nacionalmente, padece da mácula de inconstitucionalidade e ilegalidade, por afrontar a distribuição de competência feita pelo constituinte de 1988.[5]

No julgamento de embargos no Recurso Especial 1335535/RJ, a Primeira Seção  do Superior Tribunal de Justiça assentou:

“Na disciplina dos recursos hídricos, dois diplomas federais são de observância obrigatória para Estados, Distrito Federal e Municípios: a Lei 9.433/1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos) e a Lei 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico). A Lei 9.433/1997 condiciona a extração de água subterrânea – quer para “consumo final”, quer como “insumo de processo  produtivo” – à prévia e válida outorga pelo Poder Público, o que se explica pela notória escassez desse precioso bem, literalmente vital, de enorme e crescente valor econômico, mormente diante das mudanças climáticas (art. 12, II). Já o art. 45, § 2º, da Lei 11.445/2007 prevê categoricamente que “a instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes. Assim, Assim, patente a existência de disciplina normativa expressa, categórica e inafastável de lei geral federal, que veda captação de água subterrânea para uso de núcleos residenciais, sem que haja prévia outorga e autorização ambiental do Poder Público.”

A regularização do uso de poço artesiano depende, no Rio Grande do Sul:

a) previamente à perfuração, autorização do Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, através da instrução de processo por técnico habilitado, sendo que a perfuração deve ser realizada por empresa habilitada e cadastrada junto ao CREA e ao DRH (Resolução-SEMA 255/2017; 311/2018; Decreto Estadual 42.047/2002 e outros diplomas disciplinadores publicados no sítio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente).

b) autorizada a perfuração, “outorga de direito de uso da água, mediante documentos conforme os Termos de Referência.

 

[1] Art. 12, II, da Lei 9.433/1997

[2] AgInt no AREsp 1.283.045/RS, Rel.  Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 18/10/2018; Resp 1.726.460/RS,  Rel.  Ministro  Herman  Benjamin,  Segunda Turma, Dje 21/11/2018;  AgInt  no  AREsp  844.078/RS,  Rel.  Ministro Gurgel de Faria,  Primeira Turma, DJe 7/8/2017; AgRg no AREsp 263.253/RS, Rel. Ministra  Regina  Helena Costa, Primeira Turma, DJe 15/6/2015 e AgRg no  REsp 1.352.664/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/5/2013. 

[3] Lei 11.445/2007.

[4] Art. 22, IV, da Constituição Federal.

[5] STJ, EREsp 1335535/RJ, Primeira Seção, relator Ministro Herman Benjamin, julgamento em 26/09/2018 e Dje de 03/09/2020.

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