Pessoas jurídicas, códigos de conduta e governança ética.
Institutos, órgãos de classe, associações comerciais, clubes, entidades representativas das indústrias, prestadoras de serviços, sociedades de profissionais, empresas industriais e comerciais, ao realizarem suas atividades fins, dão ensejo a uma série de relações, envolvendo dois grandes tipos de público, o interno e o externo.
O público interno reúne os colaboradores, prestadores de serviços, dirigentes, executivos, acionistas. O público externo, fornecedores, clientes, acionistas, eventuais parceiros, governos.
Estes dois públicos são as “partes interessadas”, ou, na expressão inglesa, os stakeholders. Segundo o professor Falconi em “O Verdadeiro Poder”, a sobrevivência da organização a longo prazo é garantida pela satisfação simultânea das necessidades dessas partes, que algumas vezes podem ser antagônicas!
Em relação ao público interno, criam um ambiente de convivência praticamente diária por longos períodos de tempo entre aqueles que o compõem, o que permite, além do relacionamento estritamente profissional, que tem por meta principal a execução dos trabalhos, surgirem relações e reações, próprias da natureza humana, que tanto podem ser de amizade e respeito, como de concorrência, deslealdade ou preconceito.
Quanto ao público externo, as pessoas que as representam, seja no trato com um fornecedor, com o cliente ou com o poder público, podem bem fazê-lo, ou seja, agir no cumprimento fiel e ético do dever profissional, como também podem, e novamente a natureza humana torna isto possível, fazê-lo com desrespeito aos valores, interesses e imagem das empresas, visando satisfazer interesses próprios, ou obter benefícios pessoais ou vantagens econômicas ou profissionais indevidas.
Diante desse quadro, indaga-se: as pessoas jurídicas são responsáveis pelos ambientes e relacionamentos que criam, e em que termos?
Sem dúvida, sim, são responsáveis. Possuem plena responsabilidade em garantir um clima organizacional justo a todos e em oferecer mecanismos ou ferramentas para que isso ocorra, tais como o Código de Conduta e o programa de Compliance.
Evidentemente, não falamos de responsabilidade pelo adimplemento das obrigações legais de pagamento dos salários ou de recolhimento de impostos. Isso é de lei. Nem do cumprimento das obrigações com fornecedores ou clientes, pois isso é contratual.
O assunto que propomos à reflexão não é de cunho legal ou jurídico, mas moral e ético.
Exemplificativamente, em relação ao assédio sexual cometido entre colaboradores, dentro do ambiente de trabalho, é dever da empresa prevenir através de normas de conduta e punir os eventuais transgressores, ou isso é um assunto de polícia, e como tal deva ser tratado pelos interessados?
Ou, quando o colaborador ou um prestador autônomo de serviços, para obter uma licença ambiental em favor do funcionamento da empresa, corrompe o servidor público encarregado, o problema é do Estado, que não controla os seus, ou também é um e grave problema ético que a empresa deve prevenir, vigiar e punir à luz das regras éticas que ditam o seu universo?
Moral ou sexual, o assédio é uma realidade frequente e se constitui num sério problema. Além dos prejuízos que pode causar na saúde e carreira da vítima, gera prejuízos financeiros e pode desabonar a corporação, que, mesmo discordando da sua prática, não se tenha proposto, com regras claras, transparentes e efetivamente cumpridas, a identificar e prevenir os tipos de assédio no seu ambiente, numa materialização do dever de zelo pela integridade, bem-estar e saúde de seus colaboradores. Por sua vez, a corrupção, por colaborador ou prestador de serviços, é fato grave, que não deve constar do histórico institucional, mas, como fato humano que é, reiterado no tempo e que ocorre em todas as camadas sociais, do político ao motorista que subornam ou tentam subornar órgãos de controle e fiscalização, a corporação deve estabelecer uma política dura e eficiente de combate à corrupção, inclusive porque sua responsabilidade jurídica, no caso, é objetiva, independe de culpa.
Portanto, não temos dúvida em afirmar que as pessoas jurídicas, além das obrigações legais inerentes às suas atividades, são também responsáveis pelo estabelecimento de um padrão ético nas relações com seus públicos, dentro e fora do seu ambiente, pelos seus e por contratados para tarefas específicas.
Para tanto, o Código de Conduta, elaborado à luz da missão e visão, dos princípios e valores institucionais, e observância de princípios éticos, de justiça e equidade, é o instrumento adequado e apto a orientar a gestão estratégica no estabelecimento de uma dimensão ética no ambiente corporativo.
Reunindo os direitos e deveres da organização com seus públicos e de seus públicos com a organização, cria modelos de condutas ou de boas práticas ambientais, sociais e éticas exigíveis no comportamento de todos, dos membros componentes da alta direção aos diversos segmentos da cadeia produtiva, ensejando que todos os stakeholders tenham conhecimento das regras e compromissos de observarem-nas dentro e fora do ambiente organizacional, conditio sine qua non à criação de um padrão comportamental condizente com a ética e a responsabilidade socioambiental das corporações.
O Código não se limita ao ambiente institucional. Clientes, fornecedores e parceiros devem ter conhecimento e condutas alinhadas às suas normas, para que assim se estabeleçam relacionamentos confiáveis e duradouros. Inclusive, reflete-se na concorrência, pois torna o negócio diferenciado, na medida em que seus compromissos vão além da qualidade e preço dos produtos ou serviços. Pessoas interessadas em integrar a empresa podem analisá-la a partir do Código, facilitando o trabalho de recrutamento dedicado à análise dos perfis selecionados.
O Código documenta, divulga, promove e internaliza a cultura ética institucional. Orienta a forma correta de agir. Prestigia os colaboradores. Incrementa a produtividade. Qualifica a comunicação interna. Estimula ações homogêneas e a padronização nos relacionamentos, com redução de distâncias e aumento do respeito e do entendimento entre os diferentes setores e instâncias. Promove segurança institucional quanto aos conflitos de interesses, diagnostica e previne desvios e passivos. As pessoas jurídicas que implantam e aplicam efetivamente o Código, transmitem imagem de transparência e idoneidade aos seus públicos, tornando-se confiáveis e referências de boas práticas no mercado.
A elaboração do Código, sem que tal implique em procedimento fechado, passa pela análise da governança, de suas práticas e relações com stakeholders, políticas de conformidade eventualmente existentes, mapeamento de riscos de desvios e comunicação interna constante, antes, durante e depois da elaboração, para amplo recolhimento de sugestões, aprimoramentos e conhecimento por todos do significado e da importância do conjunto normativo em que redundará. A disseminação da consciência ética e das regras do Código são imprescindíveis para que todos tenham ciência e possa garantir a implantação e o desenvolvimento de uma cultura de integridade
Preciso ser dito que a só adoção de um Código de Conduta não é garantia de nada, se não houver paralelo e irrestrito monitoramento de suas regras, com apuração séria e célere das inobservâncias, aplicação das sanções previstas com razoabilidade e dosimetria proporcional, comportamentos condizentes pelas instâncias superiores e constante aprimoramento do seu conteúdo, para que o Código efetivamente seja conhecido, entendido e praticado por todos os membros da organização, sem distinções por atribuições ou responsabilidades. A confiança nos valores traduzidos por suas normas, condição de eficiência na administração de conflitos de interesses, depende da certeza, por todos, quanto à sua aplicação de forma indistinta, universal, a líderes e liderados.
Mas não é somente isso.
Suas normas também são diretrizes às escolhas e contratações de fornecedores, prestadores de serviços, anunciantes e parceiros da organização, o que contribui para a disseminação e incorporação da conformidade por maior número de pessoas jurídicas, elevando-se os padrões de condições de trabalho seguras, de tratamento justo e respeitoso dos funcionários e de boas práticas no âmbito corporativo.
Tomadas tais providências, o prognóstico, e os exemplos de corporações que assumiram seus compromissos ESG a partir de códigos de conduta são vários, e hoje desfrutam de elevado conceito nos seus diversos públicos, é o de que a pessoa jurídica conquistará uma outra percepção do mercado, clientes, consumidores, fornecedores, colaboradores e investidores.
Quem não quer trabalhar numa organização correta, conhecida não somente pelos seus produtos de qualidade, mas, especialmente, pelas suas boas práticas? Quais os bons talentos que não desejam integrar uma corporação com tal perfil, entregando o seu melhor ao crescimento institucional? Se pensarmos numa boa imagem de empresa da área dos cosméticos, criada pelos seus compromissos com a natureza, prontamente não surge na mente uma determinada marca no mercado nacional?