Desenvolvimento sustentável e os prejuízos das radicalidades intervencionista e preservacionista.

Falar-se sobre “desenvolvimento sustentável”,[1] como processo de crescimento capaz de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações, ou apontarem-se os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU,[2] é tarefa teórica de fácil desempenho.

Verdadeiro desafio, porém, é estabelecer-se, diante de determinadas situações concretas que a vida oferece, o ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação ambiental.

Cultura errônea e radical que ainda permeia em grande parte do corpo social, confere supremacia das pautas econômicas sobre as ambientais ou das ambientais sobre as econômicas, impondo, sempre, a submissão da outra, como se entre elas houvesse um intrínseco e invencível antagonismo, em prejuízo da harmonização desejável.

Errônea, porque a Constituição tutela não só o meio ambiente, ou somente a livre iniciativa e o direito de propriedade. Protege e insere tais valores num conjunto de tutela no qual também se incluem outros relevantes interesses da sociedade brasileira, como o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, das desigualdades sociais e regionais, valores que devem coexistir em harmonia.

Radical, porque não reconhece, nem se propõe a reconhecer, o balanceamento indispensável que deve existir entre os valores constitucionalmente protegidos. Se, de um lado, o desenvolvimento não pode ser a qualquer custo, por outro, a preservação não pode corresponder a uma visão estática dos recursos naturais, proibitiva de interferência humana em processos ecológicos. Preciso entender que a mesma organização eficiente dos recursos disponíveis que conduz ao progresso econômico, por meio da aplicação do capital acumulado no modo mais produtivo possível, é também aquela capaz de garantir o racional manejo das riquezas ambientais em face do crescimento populacional. A história humana e natural é feita de mudanças e adaptações, não de condições estáticas. [3]

Dessa cultura errônea e radical, a experiência é rica de exemplificações. Intervencionistas, banalizam desmedidas explorações dos recursos naturais, de lançamento de efluentes poluidores de corpos hídricos, supressão de vegetação de biomas, desmatamentos, destruição da mata ciliar etc. Exercem, abusiva e conscientemente, atividades de impacto ambiental sem licenciamento ou sem cumprimento de condicionantes de licenciamentos concedidos pelos órgãos competentes, enquanto preservacionistas lançam dados falsos e alarmantes contra obras de infraestrutura indispensáveis à melhoria da qualidade de vida das pessoas, mobilizam populações, como massas de manobras, atemorizando-as de que serão lixões, fontes de degradação e contaminação, contra a instalação de aterros sanitários nas cidades, desqualificam regras legais mediante discursos da defesa ambiental ou do genérico retrocesso ambiental, em total desconsideração dos diversos aspectos que permeiam e interferem no processo decisório do legislador, como se a vedação do retrocesso fosse de fato impeditiva de arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país. Intervencionistas e preservacionistas radicais desmerecem leis e resoluções conforme sua ótica de interesse, nem sempre republicanos, não importando os valores democraticamente eleitos pelos legisladores ou conselhos de participação da sociedade, sejam ambientais, relacionados ao mercado de trabalho, ao desenvolvimento social ou às necessidades básicas dos cidadãos.

A propósito, lembra o Ministro Fux, na ADI 42, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra deferência judicial ao planejamento estruturado pelos demais Poderes no que tange às políticas públicas ambientais. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 586.224/SP, que apreciou o conflito entre lei municipal proibitiva da técnica de queima da palha da cana-de-açúcar e a lei estadual definidora de uma superação progressiva e escalonada da referida técnica, decidiu que a lei do ente menor, apesar de conferir aparente atendimento mais intenso e imediato ao interesse ecológico de proibir queimadas, deveria ceder ante a norma que estipulou um cronograma para adaptação do cultivo da cana-de-açúcar a métodos sem a utilização do fogo. Dentre os fundamentos utilizados, o STF destacou a necessidade de acomodar, na formulação da política pública, outros interesses igualmente legítimos, como os efeitos sobre o mercado de trabalho e a impossibilidade do manejo de máquinas diante da existência de áreas cultiváveis acidentadas, afastando, assim, a tese de que a norma mais favorável ao meio ambiente deve sempre prevalecer (in dubio pro natura), com o reconhecimento da possibilidade de o regulador distribuir os recursos escassos com vistas à satisfação de outros interesses legítimos, mesmo que não promova os interesses ambientais no máximo patamar possível.

Idêntico afastamento de aplicação automática da vedação ao retrocesso, para anular opções validamente eleitas pelo legislador, houve no julgamento da ADI 42, em que o STF reconheceu a constitucionalidade de vários dispositivos do Código Florestal de 2012, proclamando a legitimidade institucional e democrática deste diploma, com destaque à permissão de intervenção em restingas e manguezais para a execução de obras habitacionais e de urbanização em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda, que reputou compatível em face do equilíbrio estabelecido entre a proteção ambiental e os vetores constitucionais de erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais, de promoção do direito à moradia, de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos e de estabelecer política de desenvolvimento urbano para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de seus habitantes, tendo adotado uma postura de autocontenção, pelo expresso reconhecimento à função constitucionalmente garantida ao Legislativo para resolver conflitos de valores na formulação de políticas públicas.

Devemos entender, vez por todas, que desenvolvimento, como ação ou efeito relacionado com o processo de crescimento, deve ser sustentável, alcançar próxima e superior etapa à atual e manter-se evolutivo no sentido de obter as necessidades presentes sem colocar em risco a obtenção das necessidades futuras. Desenvolvimento e sustentabilidade dependem um do outro, numa relação direta e incontroversa.   


[1] Tema originariamente suscitado na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.

[2] ODS 1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

ODS 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável

ODS 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades

ODS 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos

ODS 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

ODS 6 – Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos

ODS 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos

ODS 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos

ODS 9 – Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

ODS 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

ODS 11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis

ODS 12 – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis

ODS 13 – Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos

ODS 14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável

ODS 15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade

ODS 16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

ODS 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável

[3] STF, FUX, ADI 42


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