Direito ao esquecimento, existe?
Na legislação brasileira não há norma que impeça a divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, em decorrência da passagem do tempo.
Em razão disso, o Supremo Tribunal Federal não reconhece o chamado “direito ao esquecimento”, consistente no poder de obstar essa divulgação em meios de comunicação social analógicos ou digitais.
Na visão da Corte, caracterizaria “restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de manifestação de pensamento e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a respeito de fatos relevantes da história social, bem como equivale a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição.”
Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
“O ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões constitucionais e legais voltadas à proteção da personalidade, com repertório jurídico suficiente a que esta norma fundamental se efetive em consagração à dignidade humana. Em todas essas situações legalmente definidas, é cabível a restrição, em alguma medida, à liberdade de expressão, sempre que afetados outros direitos fundamentais, mas não como decorrência de um pretenso e prévio direito de ver dissociados fatos ou dados por alegada descontextualização das informações em que inseridos, por força da passagem do tempo. Ademais, a ordem constitucional ampara a honra, a privacidade e os direitos da personalidade, bem como, oferece, pela via da responsabilização, proteção contra informações inverídicas, ilicitamente obtidas ou decorrentes do abuso no exercício da liberdade de expressão, com reflexos no âmbito penal e cível.”
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 786 da repercussão geral, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e indeferiu o pedido de reparação de danos formulado contra a parte recorrida.
Na mesma linha, reconhece o STJ. Porém, cumpre observar que, no início de novembro de 2021, a Quarta Turma ratificou decisão de 2013 que manteve a condenação da TV Globo a indenizar em R$ 50 mil, por ofensa à dignidade, um serralheiro que teve nome e imagem expostos em documentário sobre a Chacina da Candelária (ocorrida em 1993) apresentado no programa Linha Direta – Justiça, em 2006. No julgamento de 2013, o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu ao serralheiro o direito ao esquecimento, diante do longo tempo transcorrido e da decisão do tribunal do júri que o absolveu da acusação de participação na chacina. Na reavaliação do caso em novembro último, a Quarta Turma concluiu que a condenação da Globo não foi afetada pelo entendimento do STF no RE 1.010.606 (Tema 786 da repercussão geral). É que, embora tenha rejeitado a ideia do direito ao esquecimento como vedação à divulgação de fatos antigos pelo simples transcurso do tempo, o STF admitiu que eventuais excessos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso. Para o ministro Salomão, a divulgação do programa reacendeu um “juízo social impiedoso” quanto ao caráter do serralheiro, circunstância que lhe causou profundo abalo emocional.
Fonte: RE 1010606/RJ, relator Min. Dias Toffoli, julgamento finalizado em 11.2.2021 (INF 1005).