Clicar no Facebook nem sempre é ato juridicamente indiferente.
Carlos Otaviano Brenner de Moraes.
Quem se movimenta no Facebook e nas demais redes sociais, deve agir com responsabilidade para evitar lesão a direitos de outras pessoas, seja ao publicar, ao compartilhar, ao curtir ou ao comentar, sob pena de cair nas malhas da lei civil e penal.
I – Clicar.
Clicar para “postar” publicação própria, para “curtir”, “compartilhar” ou “comentar” publicação alheia, são condutas humanas que se projetam no círculo social e estão sujeitas às mesmas normas jurídicas que disciplinam as relações interpessoais fora do ambiente virtual. Antes da execução do ato de clicar, a cogitação da postagem ou a preparação do texto, das fotos ou imagens a serem publicadas, salvo se forem estas obtidas por meios ilícitos (subtrair a foto mediante invasão do celular de outra pessoa)[1] ou ilicitamente armazenadas (imagens pornográficas de crianças ou adolescentes)[2], são indiferentes ao mundo jurídico. A cogitação e a preparação, sem o clicar, não colocam os bens alheios sob ameaça de ofensa.
II – Postar.
“Postar”, é o ato de inserir na página pessoal do Facebook uma publicação. Pode ser texto, foto, vídeo, desenho, símbolo etc. Postada, a publicação é divulgada e passa a ser do conhecimento dos amigos da rede social e eventualmente de outras pessoas.
Dependendo do teor ou da evidente finalidade ofensiva da publicação, o emissor pode ser responsabilizado patrimonialmente mediante o pagamento de indenização por danos à honra, à imagem ou à privacidade de alguém, inclusive pessoa jurídica.[3] Garante a Constituição: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”[4]
As demandas têm sido frequentes. No RS, ex-esposa que acessou o perfil de ex-cônjuge e publicou na sua página do Facebook, como se ele fosse, mensagens que diziam “eu sou pessoa sem caráter, vagabundo” e “deixei minha filha passar fome e estou me divertindo’’, foi condenada ao pagamento de indenização.[5] Uma mulher, por mensagens encaminhadas no modo privado à namorada do seu ex-marido, em que se dizia “humilhada e agredida” durante o casamento e que o ex era “lixo, gigolô e marginal”,[6] e dois jovens que criticaram no Facebook o proprietário de um bar e o estabelecimento, foram condenados pela justiça paulista.[7] O tribunal mineiro impôs indenização a quem publicou imagem e chamou de “gordinho” um garoto limpando a calçada de sua residência com uma máquina de lavagem a jato, quando a região passava por escassez de água,[8] e ao advogado que postou dizendo que o então candidato a prefeito de Ituiutaba era um “verme”, indagando: “Quanto vale um homem? Depende, se estiver em Ituiutaba: R$ 700,00”.[9] No Acre, um jovem sofreu condenação de igual consequência por danos morais causados a um policial ao publicar foto no Facebook vestido com uma camisa com os dizeres “ele é gay”, em inglês, e uma seta apontando para o PM, tirada dentro do Terminal Urbano de Rio Branco quando o policial estava de serviço,[10] e a justiça carioca determinou que uma mulher indenizasse duas veterinárias que acusou de omissão de socorro, chamou de “ratazanas” e disse que uma delas é a “a prepotência em pessoa” e a outra “escorregadia e inexpressiva.’[11]
Além de patrimonial, a responsabilização pode ser também pessoal, de natureza criminal.
Em 2014, na cidade de Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul, e em Parnaíba, interior do Piauí, duas jovens, a gaúcha com 17 e a piauiense com 16 anos de idade, não resistindo à vergonha e à humilhação de verem suas fotos íntimas publicadas por ex-namorados e circulando no Facebook, cometeram o ato extremo do suicídio. Um mês antes, outra jovem, de 19 anos, em Goiânia, teve suas fotos e vídeos íntimos vazados também por ex-namorado.[12] No interior do Rio de Janeiro, uma estudante registrou ocorrência contra o ex-namorado inconformado com o fim do relacionamento que, para se vingar, postou fotos de relações sexuais do casal no Facebook e divulgou seus telefones e endereço como suposta garota de programa.[13]
Estes quatro episódios de divulgação de nudez ou cena de sexo, são eventos criminosos previstos no art. 218-C do Código Penal, com apenamento de 1 a 5 anos de reclusão, aumentado de 1 a 2/3, por terem sido provocados por pessoas que mantiveram relações íntimas de afeto com as vítimas. A incriminação é feita para prevenir e punir violações à dignidade sexual, abrangendo também aquele que, mesmo sem anterior relação de afeto, divulga, oferece, troca, disponibiliza, transmite, vende, expõe a venda, distribui ou publica cena de sexo ou nudez com o fim de vingança ou humilhação da vítima (§ 1º do art. 218-C).
A lei também incrimina, através da “calúnia”, “difamação” e “injúria”, os atentados à honra, como atributo pessoal inviolável, em seus planos objetivo e subjetivo. Honra objetiva, é a “reputação” que a pessoa desfruta no seio social, o sentimento alheio a respeito de seus atributos morais, sociais, físicos, intelectuais etc., enquanto a honra subjetiva é o sentimento próprio a respeito destes atributos. A calúnia e a difamação, por consistirem em imputações de fatos, são crimes que atacam a honra objetiva, a “reputação”. A injúria, expressão de conceito ou opinião e não de fato, é o crime que se pratica contra o sentimento próprio, de “dignidade” ou “decoro”.
Assim, quando a postagem afirma, falsamente, que alguém cometeu um “fato” definido em lei como “delituoso”, caracteriza-se a “calúnia” (art. 138 do CP), punida com detenção de 6 meses a 2 anos, e multa. O presidente de um clube de futebol foi condenado a um 1 ano e 4 meses de detenção e ao pagamento de multa, pela justiça criminal de Rio Preto, por haver publicado em seu perfil no Facebook contra um determinado advogado: “Ele pegou dinheiro da Federação Paulista e colocou no bolso”. E, por injúria, um ex-secretário municipal que postou texto ofensivo à dignidade e ao decoro do prefeito de uma cidade do entorno de Brasília: “Prefeito bandido, dissimulado e corrupto, esse verme deveria ser expulso da cidade, não podemos deixar um marginal governar, fora prefeito.”[14] Nas eleições presidenciais de 2010 e 2014, várias pessoas se viram envolvidas com a justiça criminal por injúrias raciais feitas em publicações no Facebook (art. 140, § 3º, do Código Penal). Em 2014, após vitória de Dilma Rousseff com expressiva votação no Nordeste, “post” que chamava o povo nordestino de ignorante, que deveria ser separado do Sul/Sudeste, rendeu condenação por violação a direitos fundamentais de um grupo geográfico. Embora no “Tweeter”, mas o raciocínio é o mesmo, estudante de Direito foi condenada a prestar serviços comunitários pela justiça federal de São Paulo por mensagem postada nas eleições de 2010 que dizia: “Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado.”
III – Curtir.
“Curtir”, é o ato de prestigiar uma postagem de terceiro. Por si só, não causa nenhuma repercussão “criminal” contra o curtidor, mesmo que o “post” seja ofensivo à honra de alguém e o “curtir” implique em “concordância” com o publicado. Isso porque, ao meramente “curtir”, a pessoa não vai além do que fizera o autor da postagem curtida. Não o substitui nem renova ou amplia a ofensa. Para a configuração de “crime”, exige-se uma ação pessoal do autor, que sinalize, no caso, o “querer ofensivo do curtidor”,[15] por acréscimo escrito ou pelo uso de símbolos, imagens, emojis.
Todavia, cuidado, pois, em outros campos jurídicos de responsabilização, o efeito do “curtir” pode gerar consequências gravosas. A justiça do trabalho já reconheceu justa a demissão de quem “curte” no Facebook comentários ofensivos à empresa ou aos seus sócios, constando da decisão que “A liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas em rede social ofendendo a sócia proprietária da empresa, o que prejudicou de forma definitiva a continuidade de seu pacto laboral.” [16]
IV – Compartilhar.
“Compartilhar”, também concordância implícita com o conteúdo do “post”, é o ato que reproduz e amplia o alcance original da publicação de outra pessoa por sua inserção na página pessoal de quem a compartilha com amigos e terceiros que possam eventualmente acessá-la.
Se a mensagem é caluniosa e disto sabe a pessoa que a compartilha, o ato de compartilhamento configura crime. A calúnia não se perfaz unicamente pela imputação falsa de um fato-crime a alguém, mas, também, na conduta de “quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga” (§ 1º do art. 138). Tal como afirmado pelo desembargador paulista Neves Amorim em conhecido acórdão do qual foi relator, “Quando se compartilha uma publicação, você aumenta o espectro da ofensa. Se 10 leram a primeira, 30 vão ler em seguida e assim por diante. Ou seja, aumenta-se o potencial ofensivo daquela publicação.”[17]
Não sendo caluniosa, apesar de difamante ou injuriosa, não há crime no ato de compartilhamento, sem prejuízo, porém, de possível responsabilização patrimonial, como ocorrido em São Paulo, de mulher condenada ao pagamento de indenização por “compartilhamento” de publicação que pejorativa e intencionalmente chamava determinado veterinário de “açougueiro” e o acusava de haver feito “serviço de porco” numa cirurgia.[18] Não há “crime”, devido à falta de acréscimo pessoal à postagem, que materialize o propósito difamante ou injuriante também de quem a compartilha.[19] Além disso, na difamação e injúria, diverso da calúnia, a propagação da ofensa não é prevista como ação delitiva.
Mas, bem lembrado pelo professor Auriney Brito, para que o clique de compartilhar não transforme seu autor em autor de difamação ou injúria, como se fosse uma nova e ofensiva postagem, “é importante o cuidado com o que vai ser dito no momento da divulgação da ofensa, para que você não inove e também pratique a conduta difamatória. Como exemplo cito uma situação que vi nas redes sociais: Era a montagem de uma autoridade pública que aparecia na imagem atrás das grades dizendo “este sujeito foi preso por ter feito nosso povo sofrer, FORA FULANO”. Percebe-se que foi postada uma imagem de conteúdo difamatório. Ai veio o outro e compartilhou com a seguinte legenda “Isso é um ladrão, safado, corrupto. Merece morrer queimado! Vai roubar de novo no inferno”.[20]
V – Comentar.
Diferentemente do “curtir” e do “compartilhar”, o ato de “comentar” não tem o significado único de concordância. Pode até veicular crítica negativa, de censura e oposição ideológica ao “post”. Por isso, conforme for o conteúdo ou a finalidade evidente do comentário, que, inclusive, pode ser sobre o comentário de outra pessoa sobre o mesmo “post”, o autor corre o risco de praticar um ilícito e sofrer as mesmas consequências jurídicas acima expostas.
VI – Conclusão.
Quem se movimenta no Facebook, valendo o mesmo para as demais redes sociais, deve agir com responsabilidade para evitar lesão a direitos de outras pessoas, seja ao publicar, ao compartilhar, ao curtir ou ao comentar. O ambiente virtual não se constitui numa redoma impeditiva ou indevassável à incidência das normas jurídicas que disciplinam a existência humana. E o Facebook, cuidado, pode ser o palco de um drama judicial. Devido ao alcance imediato e sem fronteiras das redes sociais, a lei penal “triplica” a pena aos autores de crimes contra a honra nelas cometidos. Significa, por exemplo, na injúria racial através de um clique, o que seria 1, fora da internet, passa a ser 3, e 3 passa a ser 9 anos de reclusão (§ 2º do art. 141 do Código Penal).
[1] Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter dados sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo, é crime previsto no art. 154-A do Código Penal.
[2] O armazenamento de imagens pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes é crime previsto nos arts .241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente.
[3] Inclusive da pessoa jurídica. De acordo com a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.” A diferença é que, em relação à pessoa jurídica, o dano deve ser demonstrado, enquanto para a pessoa física é presumido, in re ipsa, isto é, independe da comprovação do abalo moral.
[4] Art. 5º, inc. X.
[5] Fonte: www.conjur.com.br
[6] Processo nº 1000645-93.2015.8.26.0224
[7] Processo nº 100180297.2016.8.26.0602
[8] Fonte: juristas.com.br
[9] Fonte: migalhas.com.br
[10] Fonte: g1.globo.com
[11] Processo 0014641-89.2013.8.19.0209, 37ª Vara Cível do Rio de Janeiro.
[12] Fonte: agencia.fiocruz.br
[13] Fonte: ambitojuridico.com.br – Tatiany Silva Azevêdo Santiago, Crimes Contra a Honra na Rede Social.
[14] Fonte: g1.com.br
[15] TJSP, recurso em sentido estrito 0001424-41.2014.8.26.0114.
[16] Processo TRT da 12ª região, nº 0000755-17.2016.5.12.003.
[17] Fonte: jornaljurid.com.br
[18] Fonte: jornaljurid.com.br
[19] Habeas Corpus 75.125 no Superior Tribunal de Justiça.
[20] Fonte: jusbrasil.com.br – Compartilhar ofensas e mentiras também é crime?