É ilícito o ato de divulgar mensagem do WhatsApp sem autorização de quem a enviou.
Carlos Otaviano Brenner de Moraes.
Devemos ter cautela no uso do aplicativo.
O sigilo das comunicações é um direito fundamental assegurado no inc. XII do art. 5º da Constituição.[1] Abrange as correspondências, comunicações telegráficas, dados, comunicações via telefônica e mensagens por aplicativos, incluindo o WhatsApp.[2] Protege a liberdade de expressão e os direitos também constitucionais à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas.[3]
Terceiros somente podem ter acesso aos contatos feitos pelo WhatsApp mediante consentimento dos participantes, para defesa de direito que quem os revela ou por autorização judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Fora destas situações excepcionais, a divulgação de mensagem recebida, sem o conhecimento e consentimento do emissor, é ato juridicamente ilícito por quebra do sigilo das comunicações, sujeitando-se o autor às malhas da lei.
É legítima expectativa, verdadeiro direito de cada um de nós, oponível ao Estado e às pessoas em geral[4], que o teor das nossas conversas e das informações confidenciais que tenhamos transmitido ou recebido dos nossos interlocutores não sejam passadas a terceiros, salvo se dispusermos em contrário.[5]
Desse modo, quem quebra o sigilo pode ser responsabilizado civilmente, mediante o pagamento de indenização ao emissor.
O Superior Tribunal de Justiça, em setembro de 2021, manteve a condenação de indenização no valor de R$ 40 mil a torcedor de um time de futebol que postou e vazou para a imprensa mensagens trocadas em um grupo do WhatsApp do qual participava com outros torcedores e dirigentes, que consignavam opiniões diversas, manifestações de insatisfação e imagens pessoais dos participantes, afirmando que a divulgação pública de conversas pelo aplicativo sem autorização de todos os interlocutores é ato ilícito e indenizável.
Em seu voto, a relatora do processo, Ministra Nancy Andrighi, consignou: “É certo que, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia.” [6]
Além da responsabilização patrimonial, que é de ordem civil, o ato de divulgação paralelamente pode ensejar responsabilização “pessoal”, que é de ordem criminal, pelo delito de violação de comunicação (art. 151, § 1º, inc. II, do Código Penal), apenado de 1 a 6 meses de detenção, sem prejuízo da cumulação com outras incriminações contra a honra (calúnia, difamação e injúria – arts. 138 a 140 do Código Penal).[7]
Na órbita criminal, inserem-se práticas comuns entre os jovens e adolescentes de divulgações de mensagens recebidas sob o manto do sigilo pelo desejo de criarem comentários maledicentes e ofensivos à reputação, ou de causar descrédito moral que redunde no rompimento de uma nova relação afetiva do ex-namorado ou namorada (arts. 139 e 140 do CP).
Também, e mais gravemente apenadas, as práticas de transmissão pelo WthasApp de imagens ou vídeos de relação íntima de afeto capazes de macular a reputação da vítima, chamadas revenge porn, ou vinganças pornográficas, movidas pelo fim de vingança ou humilhação, cuja pena oscila entre 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses de reclusão.[8]
O envio de fotos ou vídeos íntimos não é crime e se baseia na confiança entre quem envia e quem recebe. Mas a transmissão desautorizada a terceiro é crime.
Portanto, cautela no uso do WhatsApp!
[1] Art. 5º, inc. XII – “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”
[2] A união de telefones com computadores e celulares, recursos de telecomunicações com a informática, resultou numa nova classe de dados, os chamados dados telemáticos (mensagens, e-mails, dados de acesso às redes sociais etc.), incluídos no rol das comunicações protegidas pelo sigilo pela Lei 9.296/96, pois surgidos após o advento da Constituição de 1988.
[3] Art. 5º, inc. X: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
[4] A própria polícia, ao prender alguém em flagrante delito, não pode devassar as mensagens pelo WthasApp do preso e seus interlocutores. Depende sempre de autorização judicial. Jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Caso contrário, as provas obtidas a partir e decorrentes da violação do sigilo não são válidas.
[5] Admissíveis situações de consentimento “presumido”, pela inexistência de confidencialidade no teor ou pela natureza da mensagem transmitida a terceiro. Por exemplo, quando que reproduzem material publicado na mídia, imagens de uma cidade ou de local aprazível sem qualquer contexto com os interlocutores ou terceiros, cartuns ou charges como gêneros jornalísticos publicados que usam a anedota geralmente com base nos fatos da atualidade, piadas sem conotações políticas e sociais que disfarçam uma crítica, ofensa ou discriminação.
[6] Recurso Especial nº 1.903.273, julgado pela Terceira Turma do tribunal.
[7] Como atributo pessoal, honra objetiva é a reputação, aquilo que os outros pensam a nosso respeito no tocante a nossos atributos morais, sociais, físicos, intelectuais etc. A calúnia e a difamação, por consistirem na imputação de fatos, atacam a honra objetiva. Por sua vez, honra subjetiva, desdobrada em dignidade e decoro, é o sentimento que temos a respeito de nós mesmos quanto aos atributos morais (dignidade), físicos e intelectuais (decoro). A injúria é o crime que se pratica contra a dignidade e o decoro como sentimentos do próprio ofendido. Enquanto a honra objetiva é o sentimento alheio, a subjetiva é o sentimento próprio do indivíduo.[7] Nenhum destes dois planos da honra pode ser maculado, lesado ou ofendido. Na injúria com utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a punição penal é ainda mais grave.
[8] “Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave”. “§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação”.