Presidiários recolhidos no PC de Porto Alegre e penas contadas em dobro.

Carlos Otaviano Brenner de Moraes.

O Brasil submete-se às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos desde 2002, quando, por decreto presidencial, reconheceu a competência da Corte para arbitrar conflitos que envolvam a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.

Em 2018, através de Resolução, a Corte Interamericana determinou que cada dia de pena cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, Estado do Rio de Janeiro, fosse contado em dobro para todos os presos, excetuado os condenado por crimes sexuais, contra a vida ou a integridade física. Assim o fez em razão do descumprimento pelo Brasil de deliberação de 2017, de redução da superlotação da unidade e recuperação do controle das galerias comandadas pelos presidiários.

Agora, em recente decisão da 1ª Vara de Execuções Criminais, que aplicou a Resolução de 2018 da Corte Interamericana, a mesma contagem em dobro será feita em benefício das pessoas recolhidas no Presídio Central de Porto Alegre (análise individualizada de cada caso a partir de requerimento do defensor do preso), estabelecimento superlotado cujas condições são degradantes e desumanas (taxa média de ocupação média é de 178%, com galerias que ultrapassam os 300%”, em julho de 2021 com 3.460 presos para 1.824 vagas), monitorado e fiscalizado por unidade criada em 2021, pelo Conselho Nacional de Justiça, exatamente sobre o cumprimento das decisões e deliberações da Corte Interamericana.

Como medida da superlotação, considerado o espaço que cada preso ocupa, a decisão gaúcha considerou que o Ministério Público, em ação civil pública ajuizada em 2006 contra o Estado do Rio Grande do Sul, inspecionou o presídio e constatou que cada preso ocupava em média 1.71 metro quadrado, e que em algumas celas o espaço disponível era de 0,45 metro quadrado por pessoa. Passados quinze anos, a situação permanece a mesma. Os presos tomam conta das galerias, celas e corredores das alas apinhados. O Estado não domina as galerias, sob o controla das facções, que, por sua vez, dominam e controlam os presos.

No caso do presídio do Rio de Janeiro, recurso do Ministério Público Estadual foi improvido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Da ementa do acórdão são transcritos os seguintes fragmentos:

“Hipótese concernente ao notório caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho no Rio de Janeiro (IPPSC), objeto de inúmeras Inspeções que culminaram com a Resolução da Corte IDH de 22/11/2018, que, ao reconhecer referido Instituto inadequado para a execução de penas, especialmente em razão de os presos se acharem em situação degradante e desumana, determinou que se computasse em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas.

Ao sujeitar-se à jurisdição da Corte IDH, o País alarga o rol de direitos das pessoas e o espaço de diálogo com a comunidade internacional. Com isso, a jurisdição brasileira, ao basear-se na cooperação internacional, pode ampliar a efetividade dos direitos humanos.

A sentença da Corte IDH produz autoridade de coisa julgada internacional, com eficácia vinculante e direta às partes. Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença.

Na hipótese, as instâncias inferiores ao diferirem os efeitos da decisão para o momento em que o Estado Brasileiro tomou ciência da decisão proferida pela Corte Interamericana, deixando com isso de computar parte do período em que o recorrente teria cumprido pena em situação considerada degradante, deixaram de dar cumprimento a tal mandamento, levando em conta que as sentenças da Corte possuem eficácia imediata para os Estados Partes e efeito meramente declaratório.  

Não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro tenha seus efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido parte da pena em condições aceitáveis até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse se modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao reconhecimento da situação degradante já perdurara anteriormente, até para que pudesse ser objeto de reconhecimento,  devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de cumprimento da pena.

Por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos, por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais favorável possível aquele que vê seus direitos violados. As autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem exercer o controle de convencionalidade, observando os efeitos das disposições do diploma internacional e adequando sua estrutura interna para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional, uma vez que os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo empregar a interpretação mais favorável ao ser humano.”[1]

Informa o CNJ que desde a decisão de 2018 da Corte Interamericana, juízes responsáveis pela execução penal de presídios em diferentes locais do Brasil já proferiram decisões semelhantes, permitindo a contagem em dobro do tempo preso em meio a condições desumanas em um estabelecimento penal.

Para o relator, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, “Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente cumpriu pena no IPPSC.”

Diante do exposto, conclui-se que, concordando ou discordando, juízes das execuções e autoridades do sistema prisional devem cumprir as disposições do diploma internacional, pois os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos.


[1] AgRg no RHC 136961/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 15/06/2021 e DJE de 21/06/2021. 
https://processo.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28%28AGRRHC.clas.+ou+%22AgRg+no+RHC%22.clap.%29+e+%40num%3D%22136961%22%29+ou+%28%28AGRRHC+ou+%22AgRg+no+RHC%22%29+adj+%22136961%22%29.suce. 
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