Razoável duração do inquérito civil público.

Tornou-se comum a intervenção do Ministério Público em licenciamentos ambientais municipais ou estaduais, outorgados ou em tramitação nos órgãos legalmente competentes, através do inquérito civil, procedimento investigatório extrajudicial e unilateral, cuja conclusão deve ser no prazo de um ano e em seu curso podem ser colhidas provas diversas, requisitadas informações a órgãos públicos e privados, expedidas notificações de incerto número de pessoas para testemunhos e inspeções pelo Ministério Público e seu órgão de apoio ambiental, circunstâncias que influenciam no tempo de duração e não permitem margem de segurança para previsão do seu desfecho, agravadas pela falta de prévia delimitação normativa dos atos investigatórios e específica medida judicial que possa sustá-lo, salvo no excepcionalíssima e evidente falta de justa causa, ou fazê-lo mais célere. Não bastassem, o prazo de um ano para conclusão pode ser prorrogado pelo mesmo período, quantas vezes forem necessárias, à vista da imprescindibilidade da realização de diligências, especificadas no despacho de prorrogação, tal qual previsto na legislação institucional.

Percebe-se, assim, que a intervenção estatal que o inquérito civil ambiental consubstancia pelas mãos do MP, pode, indevidamente, prejudicar ou comprometer o lídimo exercício da iniciativa privada e do empreendedorismo, não em razão da natureza da matéria ou do mérito da investigação quanto ao seu objeto, pois a preservação ambiental é dever de todos, mas por duração acima do razoável.

A Constituição Federal, ao fixar os princípios gerais da atividade econômica, reforça, no § único do art. 170, a proteção ao princípio da livre iniciativa, já contemplado, no art. 1º, como fundamento da República Federativa do Brasil. E, no art. 5º, inc. LXXVIII, garante, a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e dos meios que assegurem a celeridade de sua tramitação.  

Em decorrência, a atividade interventiva do Ministério Público nos licenciamentos ambientais, através do inquérito civil, não pode olvidar-se destes valores constitucionais da razoável duração do inquérito, da celeridade de sua tramitação e da livre iniciativa, princípio e fundamento da República e da Ordem Econômica, sob pena de responsabilização estatal pelos prejuízos decorrentes, financeiros e reputacionais ao empreendedor.

Exigível que o inquérito, além de embasar-se em justa causa, desenvolva-se em atos motivados e eficientes ao resultado útil da investigação. Que sejam praticados em ritmo adequado ao esclarecimento do fato investigado. Que se evitem requisições de informações desnecessárias ou repetitivas das mesmas questões aos mesmos órgãos, que só acrescentam documentos e páginas aos autos sem qualquer serventia. Que não ocorram diligências frutos de capricho, renovações de prazo por mais um ano imotivadas quanto à imprescindibilidade da medida e especificação das diligências faltantes, nem despachos de excesso de trabalho pretensamente justificativos da suspensão do andamento do inquérito por trinta ou mais dias, prática nada incomum e que não se presta de cláusula da reserva do possível, ainda que excessivo possa realmente ser o volume de trabalho, pois consagrado o entendimento de que a insuficiência dos meios disponíveis e o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos públicos não privam os cidadãos de reagir diante da demora do processo, inclusive administrativo, nem permitem considerá-la inexistente. O inquérito deve fazer-se célere em sua tramitação e eficiente em seu resultado, sem criar etapas mortas, expressão cunhada pelo jurista espanhol Alcalá-Zamora para designar situações de prolongamentos que separam a prática de um ato do outro sem participação ou vontade das partes ou de seus advogados.

A atuação extrajudicial conferida à Instituição não é carta em branco ou alvará que autorize violação aos princípios da livre iniciativa e da duração razoável, não podendo inibir o exercício do direito de empreender atividade econômica regularmente licenciada pelas instâncias competentes ou paralisar a análise de licenciamento pelo órgão responsável, numa substituição de papeis entre entes públicos inadmissível e inadmitida pelo direito administrativo, pela sub-rogação do órgão de apoio ambiental ao órgão legalmente habilitado ao licenciamento ambiental.

Preferível, inclusive, em dadas situações de letargia do inquérito ou de substituições de papeis, a judicialização da matéria investigada.

Apesar dos entraves inerentes a toda e qualquer demanda judicial, o empreendedor terá oportunidades das quais se ressente no inquérito caracterizado por tais circunstâncias de desvio de finalidade.

Terá oportunidade ao preliminar exame judicial da justa causa da intervenção ministerial; ao devido processo; ao uso de recursos às instâncias judiciárias; à observância dos princípios da boa fé, da livre iniciativa, da presunção de legalidade dos atos e licenciamentos emitidos por servidores públicos; da razoável duração do processo, que recomenda eficiência e determina a preclusão de oportunidades a manifestações por intervenientes que se fazem reiteradamente omissos.

Terá conhecimento, pela filtragem judicial da pretensão estatal exposta na inicial e correlata verificação de acervo probatório autorizativo da demanda proposta, direito inerente a qualquer pessoa investigada, se existem e quais são os fatos justificativos da intervenção no âmbito da sua liberdade econômica durante os longos meses de tramitação e dos elevados prejuízos financeiros suportados desde então, quais os fatos omitidos, ignorados ou desatendidos pela entidade responsável pelo licenciamento ambiental e seus respectivos subsídios concretos e demonstrativos.

Tudo, porém, num cenário de garantia, legalidade estrita, motivação e equidistância que não permite azo aos subjetivismos que permeiam os processos extrajudiciais, sem as amarras inquisitoriais de investigações unilaterais e preliminares que invadem atribuições legais alheias, num ambiente de segurança jurídica, de respeito aos direitos assegurados pela Constituição, próprio das democracias.

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