Retardamento no atendimento a requisição do MP e o crime do art. 10 da Lei da Ação Civil Pública.
TIPO LEGAL DE CRIME.
Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 a 3 anos, mais multa, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.
É o que prevê o art. 10 da Lei da Ação Civil Pública, na tutela jurídico-penal da regularidade no exercício de dois poderes que o diploma legal reconhece ao Ministério Público:
1) De instaurar procedimentos internos investigatórios, destinados à coleta de elementos de convicção sobre a ocorrência de danos a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneo que permitam a propositura de ação civil pública.
2) De requisitar, a qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, expressamente conferidos pela Lei nº 7.347/85.[1]
CONDUTAS TÍPICAS.
As condutas típicas do art. 10 consistem em:
1) Recusa.
Recusar, é discordar, não aceitar, rejeitar, repelir a determinação ministerial. Importa numa postura ativa de injustificável descumprimento.
Havendo, porém, justa causa à recusa, o crime não se confira, tal qual ocorre com os dados sigilosos, por expressa disposição legal.[2]
2) Retardamento.
Retardar, implica em um agir, em um fazer. No entanto, que se realiza mais tardiamente do que o devido.[3] É uma conduta intempestiva.
3) Omitir.
A omissão, a seu turno, é o simples deixar de fazer. Não possui o mesmo sentido de descumprimento por oposição à ordem ministerial ínsito à recusa. O destinatário da ordem não toma a providência positiva requisitada.
RETARDAMENTO NO OFERECIMENTO DOS DADOS TÉCNICOS REQUISITADOS.
Dedicamos este artigo à conduta típica do retardamento, de frequente ocorrência no âmbito da administração pública.
Os agentes públicos que possuem o dever de informar em razão das funções que exercem, frequentemente se veem alvo de inúmeras requisições ministeriais, tanto do MPF quanto do MP dos Estados, especialmente de prefeituras e câmaras de vereadores das cidades interioranas, que nem sempre contam com quadro de pessoal suficiente ou minimamente gabaritado para o fornecimento dos dados requisitados dentro do tempo fixado, não fosse a cultura desidiosa de boa parte dos servidores.
Quem já passou pela administração pública em qualquer dos seus três níveis sabe bem dessa realidade. Nas capitais ou maiores cidades, um tanto amenizada pela destinação de equipe própria só para atendimento das requisições.
Pois bem.
Retardamento não se confunde nem é uma forma de omissão. Se retardar e omitir se confundissem, não estariam autonomamente inseridas no art. 10 como espécies de condutas típicas.
Configura-se não pelo simples atraso, pelo tardio envio dos dados técnicos, mas quando deliberado para atrasar e prejudicar o acionamento da ação civil pública pelo Ministério Público.
Se o destinatário cumpre a ordem, fornece as informações ou documentos requisitados, não desobedece a requisição ministerial nem ofende o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 10 da Lei da Ação Civil Pública.
O retardamento deve ser evidentemente proposital a prejudicar a finalidade dos dados, de base material à propositura da ação civil pública.
Inclusive, o prazo de dez dias úteis não consta do tipo incriminador. E, como bem ressaltou em seu voto o Desembargador Federal Bittencourt da Rosa em julgado do TRF4, “O tipo penal, quando fala em retardamento, não pode ser preenchido em uma regra de dez dias, porque seria um exagero pretender que toda a informação postulada, exigida e requisitada pelo Ministério Público tivesse de ser prestada em dez dias sob pena de, prestada no 11º primeiro dia, incidir em crime.”[4]
A jurisprudência, por inúmeros e repetidos julgados, tem proclamado a atipicidade “subjetiva” do fato, ou seja, “ausência de dolo”, quando o agente, reconhecida a burocracia existente em todo o serviço público,[5] mesmo depois de escoado o prazo fixado, fornece ao MP o dado técnico requisitado,[6] uma vez que o delito somente se configura quando o destinatário e responsável pelo cumprimento da ordem deliberadamente retarda o envio de dados técnicos indispensáveis querendo atrasar, prejudicar, embaraçar, impedir a propositura de ação civil pública. Isto não se verifica, por exemplo, quando tenha respondido ainda que com impontualidade.[7]
Por derradeiro, o apenamento ao retardamento, de 1 a 3 anos de reclusão, constitui exagerada reação do sistema e desrespeito ao caráter secundário da norma penal que torna perigoso o exercício das funções pelos administradores públicos.
Se a fronteira da ilegitimidade da lei penal não pode ser examinada pelo Judiciário, resta a este poder neutralizar a resposta draconiana com um nível de exigência a respeito da subsunção do tipo.[8]
[1] “Art. 8º. § 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.”
[2]“O Ministério Público pode ‘requisitar, de qualquer organismo público, certidões, informações, exames e perícias’ (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, art. 8., par. 1.) para instruir ação civil pública. O destinatário poderá negar certidão, ou informação, ‘nos casos em que a lei impuser sigilo’ (art. 8., par. 2.). É o caso do sigilo bancário. Em sendo assim, a denúncia não pode prosperar. Não descreve fato típico.” (STJ, REsp 66.854/DF, Sexta Turma. Relator Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, julgado em 17/09/1996 e DJ 16/12/1996).
[3] O prazo mínimo para atendimento da requisição é de 10 dias, conforme o art. 8º, § 1º, da Lei 7.347/85.
[4] Inquérito nº 1999.04.01.069384-8/PR – Quarta Seção.
[5] TJRS. Representação Criminal nº 70081594673.
[6]TJRS: Representação Criminal nº 70081275307, de Sapucaia do Sul; Representação Criminal nº 70080954217, de Tapes; Representação Criminal nº 70080227739, de Tramandaí; Representação Criminal nº 70079215265, de Soledade; Representação Criminal nº 70079003851, de Portão.
[7] TJRS. Representação Criminal nº 70081594673.
[8] TRF 4ª Região. Inquérito nº 1999.04.01.069384-8/PR – Quarta Seção.