Improbidade administrativa e indisponibilidade de bens.
Para garantir a integral recomposição do erário ou de enriquecimento ilícito, o Ministério Público pode promover a indisponibilidade de bens do autor de ato de improbidade administrativa.
Até a edição da Lei 14.230/2021, que deu nova disciplina jurídica ao tema, a prática forense, fortalecida pela jurisprudência do STJ e boa parte da doutrina, era rica de exemplificações de indisponibilidades sem a devida demonstração da existência de periculum in mora[1] e abrangentes até mesmo o valor estimado da multa civil,[2] pelo entendimento de que o perigo de frustração de futura execução de sentença condenatória estaria implícito no comando do então art. 7º da Lei 8.429/92, que a exigência de prova de dilapidação patrimonial esvaziaria a indisponibilidade perseguida no âmbito constitucional e legal.[3]
A partir da nova lei, o cenário passou a ser outro.
O deferimento da medida, que evidentemente permanece pressupondo o convencimento do juiz quanto à probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, passou a exigir demonstração de “perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”.
Não é mais dispensável a prova da urgência, razão pela qual, sem o periculum in mora, a indisponibilidade não tem vez.
Além disso, o valor indisponibilizado deve corresponder “exclusivamente” e no limite do integral ressarcimento do dano ou do enriquecimento ilícito, que a inicial necessariamente deve estimar e indicar, “excluída” a multa civil.
Ativos bancários de até quarenta salários-mínimos e bem de família não podem ser atingidos, salvo, em relação a este, se comprovado fruto de vantagem patrimonial indevida.
A ordenação para tornar bens indisponíveis deve priorizar veículos de via terrestre, imóveis, móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos. Apenas na inexistência desses, pode recair sobre contas bancárias, pela finalidade legal de garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo.
A requerimento do réu, os bens podem ser substituídos por caução idônea, fiança bancária ou seguro-garantia judicial, sendo admissível a readequação da medida durante a instrução do processo. O contraditório prévio é a “regra” e a urgência da medida não pode ser “presumida” para evitá-lo.
Nessa linha, a Oitava Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao prover agravo de instrumento, decidiu:
a) que não é possível “englobar a multa civil na quantia a ser bloqueada”, pois “o art. 16, § 10 vedou que a medida de indisponibilidade recaia sobre valor a título de multa a ser eventualmente aplicada;”
b) que é inválida a indisponibilidade pela “falta de qualquer disposição acerca de quais bens poderiam ser bloqueados ou qual a ordem deveria ser seguida na decretação” (consideradas as regras dos §§ 11 a 14 do art. 16);
c) que “a novel legislação abandonou a jurisprudência, outrora veiculada pelo C. STJ, a qual tratava a medida de indisponibilidade de bens como tutela da evidência ao dispensar a prova da urgência A nova lei deixa explícito que para que seja decretada a medida de indisponibilidade de bens deve haver a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução. Inteligência do art. 16, § 3º, da LIA. Inclusive, o § 8º, do mesmo dispositivo, aponta que deve ser aplicada à medida de indisponibilidade de bens, no que couber, a disciplina da tutela provisória de urgência “,
d) e que, conclusivamente, “é indispensável para que haja o bloqueio de bens regulado pela lei 8.429/92 (LIA) a configuração não somente do fumus boni iuris, mas também do periculum in mora.”[4]
CARLOS OTAVIANO BRENNER DE MORAES.
[1] “A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, de acordo com o disposto no art. 7º da Lei 8.429/1992, a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição Precedente: REsp 1319515/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/08/2012, DJe 21/09/2012.” (STJ, Primeira Seção, AgRg nos EREsp 1315092/RJ 2012/0147498-0, relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 22/05/2013). “Assente na Segunda Turma do STJ o entendimento de que a decretação de indisponibilidade dos bens não está condicionada à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porquanto visa, justamente, a evitar dilapidação patrimonial. Posição contrária tornaria difícil, e muitas vezes inócua, a efetivação da Medida Cautelar em foco. O periculum in mora é considerado implícito. Precedentes: Edcl no REsp 1.211.986/MT, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 9.6.2011; REsp 1319515/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 21/09/2012; REsp 1.205.119/MT, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Dje 28.10.2010; REsp 1.203.133/MT, Segunda Turma, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 28.10.2010; REsp 1.161.631/PR, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 24.8.2010; REsp 1.177.290/MT, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, Dje 1.7.2010; REsp 1.177.128/MT, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, Dje 16.9.2010; REsp 1.134.638/MT, Segunda Turma, Relator Ministra Eliana Calmon, Dje 23.11.2009. 3. Recurso Especial provido para conceder a medida de indisponibilidade de bens.” (REsp 1343371 AM 2012/0189961-5, relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 18/04/2013). “[…] desnecessário o perigo de dano, pois o legislador contenta-se com o fumus boni iuris para autorizar essa modalidade de medida de urgência. Essa solução vem sendo adotada pela jurisprudência (…) não necessita da demonstração do perigo de dano. O legislador dispensou esse requisito, tendo em vista a gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público” (SANTOS, José Roberto Bedaque dos. Tutela Cautelar e Atos de Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Editora Malheiros, p. 260).
[2] “É entendimento assente no âmbito desta Corte que, conforme o artigo 7º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, a indisponibilidade dos bens deve ser limitada ao valor que assegure o integral ressarcimento ao erário e do valor de eventual multa civil.” (STJ, AgRg nos EDcl no Ag 587748 PR, Segunda Turma, relator Ministro Humberto Martins, julgado em 15/10/2009). “ART. 7º da LEI 8.429/1992. INDISPONIBILIDADE DE BENS. 1. A indisponibilidade de bens – em Ação de Improbidade Administrativa ou em Cautelar preparatória – serve para garantir todas as consequências financeiras (inclusive multa civil) da conduta do agente, independentemente de o patrimônio ter sido adquirido antes da prática do ato investigado. Precedentes do STJ. 2. Recurso Especial não provido.” (STJ, REsp 637413 RS, Segunda Turma, relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 07/05/2009). Nesse sentido: GARCIA Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1.024.
[3] Nesse sentido, GARCIA Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1.020.
[4] Agravo de Instrumento 2029132-39.2021.8.26.0000, julgado em 24 de novembro de 2021.