I – Natureza jurídica e caracterização.

A logística reversa é um dos instrumentos de efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos[1], que estabelece os princípios da não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos[2].

Caracteriza-se, na dicção da Lei 12.305/2010, que instituiu o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, “por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.” [3]

Mais recentemente, o Decreto 10.936, de 12 de janeiro de 2022, instituiu o Programa Nacional de Logística Reversa, integrado ao Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos - Sinir e ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares, como instrumento de coordenação e de integração dos sistemas de logística reversa com os objetivos de otimizar a implementação e a operacionalização da infraestrutura física e logística, proporcionar ganhos de escala e possibilitar a sinergia entre os sistemas, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente.

II – Abrangência e responsabilidade compartilhada.

Abrange todos os fluxos físicos e a gestão dos materiais que possam viabilizar o retorno das embalagens após o uso pelo consumidor, numa cadeia de responsabilidade compartilhada e de implantação individualizada e encadeada, entre o poder público, empresas e a coletividade.[4]

Pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos, e aqueles que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos, possuem o dever de promoverem a logística reversa.

Nos termos do Decreto 7.404/2010, que regulamenta a Lei do Plano Nacional, os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos são responsáveis pelo ciclo de vida dos produtos.

Por sua vez, os  consumidores são obrigados, sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou quando instituídos sistemas de logística, a acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e a disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.[5]

Destacam-se, na destinação deste dever de estruturação e implementação de sistemas de logística reversa, para retorno dos produtos pós-consumo de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as normas legais e regulamentares, de pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, produtos eletroeletrônicos e seus componentes.  

III – Relevante obrigação ambiental.

Como instrumento de efetivação da política pública nacional de resíduos sólidos, e por seus reflexos na limpeza pública e na saúde pública, bens nos quais encontra conteúdo e fundamento, a implantação do sistema de logística reversa constitui-se numa relevante “obrigação ambiental”, aspecto que é importante ser salientado.

Isso porque o art. 68 da Lei dos Crimes Ambientais prevê, como delito doloso, “Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”, apenado com detenção de 1 a 3 anos, e multa, e detenção de 3 meses a 1 ano, se o crime é culposo, sem prejuízo da multa.

Exemplificativamente, não promover a manutenção atualizada e disponível de informações completas sobre a implementação e operacionalização de plano de resíduos sólidos, ao órgão municipal competente, ao órgão licenciador do SISNAMA e a outras autoridades (art. 23 do PNRS), é crime, cuja sanção, além da privação da liberdade à pessoa física envolvida, pode acarretar multa administrativa entre 5 mil a 50 milhões de reais, conforme art. 62, inc. XVI do Decreto nº 6.514/2008: “não manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente, ao órgão licenciador do SISNAMA e a outras autoridades, informações completas sobre a implementação e a operacionalização do plano de gerenciamento de resíduos sólidos sob sua responsabilidade”.

Aliás, este art. 62 do Decreto Federal comina a mesma multa administrativa para os casos de “VI – deixar, aquele que tem obrigação, de dar destinação ambientalmente adequada a produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias quando assim determinar a lei ou ato normativo”; “XII – descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa implantado nos termos da Lei nº 12.305, de 2010, consoante as responsabilidades específicas estabelecidas para o referido sistema”; “XIII – deixar de segregar resíduos sólidos na forma estabelecida para a coleta seletiva, quando a referida coleta for instituída pelo titular do serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos”; “XV – deixar de manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente e a outras autoridades informações completas  sobre a realização das ações do sistema de logística reversa sobre sua responsabilidade”; “XVII – deixar de atender às regras sobre registro, gerenciamento e informação previstos no § 2º do art. 39 da Lei nº 12.305, de 2010”.    

Outro dado de natureza criminal relacionado com a matéria, está no art. 69-A da Lei dos Crimes Ambientais, que comina a mais elevada de pena privativa de liberdade aos crimes ambientais, de 6 anos de reclusão, aplicável ao responsável pela elaboração ou apresentação dolosas, no licenciamento ou qualquer outro procedimento administrativo, de estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão, sendo também punível, de forma mais abrandada, com detenção máxima de 3 anos, a modalidade culposa deste fato. Considerando que o plano de gerenciamento de resíduos sólidos é parte integrante do processo de licenciamento ambiental do empreendimento ou atividade pelo órgão competente do SISNAMA, conforme dispõe o art. 24 do PNRS, não é descartável a hipótese do cometimento, ainda que culposo, de algum destes dois delitos. 

IV – Responsabilidade criminal das pessoas físicas e jurídicas.

Como regra geral, quem, de qualquer forma, concorre para a prática de crime previsto na LCA, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade.

Assim, pode ser processada criminalmente a pessoa física do diretor, do administrador, do conselheiro, do membro de órgão técnico, do auditor, do gerente, do preposto ou do mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

E as pessoas jurídicas também podem ser responsabilizadas e processadas nos casos em que a infração tenha sido cometida por decisão do representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade. Esta responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

Para as pessoas jurídicas, as sanções são diversas.   Multa, até o triplo do máximo permitido pelo CP (3 x 1.800 SM), calculada em dias-multa, entre 10 e 360, não inferior a 1/30 nem superior a 5 vezes o maior SM vigente ao tempo do fato.  Suspensão parcial ou total de atividades, quando violarem disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.  Interdição temporária, quando o estabelecimento, obra ou atividade funcionar sem autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. Prestação de serviços à comunidade: custeio de programas ambientais, obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos, contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

V – Acordos setoriais, regulamentos e termos de compromisso.

Os sistemas de logística reversa podem ser implementados e operacionalizados através de acordos setoriais, regulamentos expedidos pelo Poder Público, ou termos de compromisso.

Os acordos setoriais são atos de natureza contratual, firmados entre o Poder Público e os fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, por iniciativa de quaisquer das partes.

As normativas são implantadas diretamente por decreto do Poder Executivo, precedido de consulta pública.

E os termos de ajustamento com o poder público federal, estadual ou municipal, para os casos em que não houver acordo setorial ou normativa específica em uma mesma área de abrangência, ou para a fixação de compromissos e metas mais exigentes que o previsto em acordo setorial ou regulamento existente, devem ser homologados pelo órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Com o propósito de implementar e operacionalizar um sistema de logística reversa na cadeia de embalagens no Rio Grande do Sul, a SEMA, FEPAM e o Instituto REVER firmaram Termo de Compromisso de Logística Reversa – TCLR,[1] visando o reaproveitamento ou reinserção de embalagens pós-consumo no ciclo produtivo (papel, plástico, vidro ou metal, etc.).  

O sistema gaúcho segue a meta definida em acordo do setor de embalagens com o Ministério do Meio Ambiente, de pelos menos 22% sobre a massa de embalagens colocada no mercado no ano, prevista no acordo setorial de 2015.

As empresas podem aderir ao programa por si mesmas ou através de entidades associadas, beneficiando-se de um sistema de logística reversa seguro, válido e oficialmente aceito  pelos órgãos reguladores, operacionalizado pelo Instituto REVER. Cabe aos comerciantes receberem as embalagens utilizadas pelos consumidores em pontos de coleta. Às empresas distribuidoras, recolherem os produtos nos pontos de coleta e armazená-los. Fabricantes e importadores, possuem a tarefa de fazer a reciclagem e destinar os rejeitos. Operadores e cooperativas devem comprovar a reciclagem de massa equivalente à amostragem definida pela empresa. 

Anualmente, o Instituto envia relatórios das operações e resultados atingidos à FEPAM, que, prezando pela segurança de dados, emite  parecer técnico e assegura nos seus licenciamentos e autorizações ambientais a célere implantação e expansão do sistema, de acordo com as condições acordadas no TCLR, tudo sob o acompanhamento e supervisão da SEMA.

VI – Créditos de logística reversa.

Há um mercado de compensação ambiental da reciclagem[6], mediante Créditos de Logística Reversa, consistente no pagamento pelos serviços ambientais de coleta, triagem e reciclagem de resíduos por cooperativas ou associações de catadores, gerando inclusão e renda aos catadores e estímulo à reciclagem.

A BVRio, Bolsa de Valores Ambientais, criou um sistema de créditos, nada mais do que certificados de serviços de logística reversa e destinação adequada de certa quantidade de resíduos, emitidos e vendidos por cooperativas de catadores e comprados por empresas que os remuneram pelos serviços ambientais e assim cumprem suas obrigações legais de logística reversa. Para os catadores, os créditos são fontes adicionais de renda, agregam valor às suas atividades e promovem impacto social positivo, não havendo impedimento a que vendam o material físico para reciclagem, pois os créditos só representam o serviço ambiental prestado (coleta, triagem, e destinação dos resíduos para reciclagem ou reutilização no ciclo produtivo). Os créditos são negociados numa plataforma de vendas online, em que cada cooperativa os oferece e determina o preço às  empresas cadastradas na plataforma. A BVRio conduz as operações de compensação, recolhe o pagamento das empresas e o transfere para as cooperativas, simultaneamente transferindo os Créditos para as empresas.[7]


[1] Art. 8º, inc. III, da Lei 12.305/2010. A Política Nacional de Resíduos Sólidos estrutura as bases de uma economia sustentável, promove a melhoria da gestão dos resíduos domiciliares e industriais, com estímulo à reutilização, conforme o material empregado.

[2] A reutilização de resíduos sólidos varia a partir do material empregado. O Brasil é considerado o maior reciclador mundial de latas de alumínio, com o incrível índice de 98,4%4. Para o vidro, que tem a característica de ser 100% reciclável, o percentual de reaproveitamento varia entre 30% e 40%.

[3] Art. 3º, inc. XII.

[4] Decreto 7.404/2010. Art. 7º. O Poder Público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela efetividade das ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes e determinações estabelecidas na Lei nº 12.305, de 2010, e neste Decreto.

[5] Decreto 7.404/2010. Art. 6º. Os consumidores são obrigados, sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou quando instituídos sistemas de logística reversa na forma do art. 15, a acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e a disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

[6] A compensação ambiental é um instrumento que realiza a logística reversa de forma indireta. A empresa paga a reciclagem do volume de embalagens lançadas no mercado, do mesmo material. O pagamento se dá através da compra de créditos de reciclagem oferecidos por Certificadoras de Logística Reversa auditadas. Ambientalmente, ocorre a retirada da mesma quantidade de material do meio ambiente e, socialmente, há a remuneração monetária direta para cooperativas de reciclagem se estruturarem com autonomia e promoverem ainda mais reciclagem.

[7] Fonte: Instituto BV-Rio. Estudo de caso da Bolsa de Valores Ambientais BVRio no Brasil. https://www.bvrio.org/publicacao/165/creditos-de-logistica-reversa-uma-inovacao-para-gestao-de-residuos-solidos.pdf

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