Médico do SUS e corrupção.

O crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do CP e que, em tese, pode ser atribuído a médico do SUS, somente se configura quando demonstrada a solicitação ou recebimento de vantagem indevida pelo agente público, não se configurando quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesa.

Assim foi decidido pelo STJ no HC 541.447-SP[1], quando o Tribunal reconheceu que o ressarcimento pelos gastos decorrentes do uso do equipamento de videolaparoscopia, técnica cirúrgica não coberta pelo SUS, não configura vantagem indevida para fins penais, e o crime de corrupção passiva, conforme dispõe o art. 317, implica na conduta de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Constou do acórdão:

“Não se ignora que a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei n. 8.080/1990) e a Portaria n. 113/1997 do Ministério da Saúde vedam a cobrança de valores do paciente ou familiares a título de complementação, dado o caráter universal e gratuito do sistema público de saúde, entendimento reforçado pelo STF no julgamento do RE n. 581.488/RS, com repercussão geral, em que se afastou a possibilidade de “diferença de classe” em internações hospitalares pelo SUS (relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe de 8/4/2016).

Assim, sob o aspecto administrativo, se eventualmente comprovada a exigência de complementação de honorários médicos ou a dupla cobrança por ato médico realizado, estaria configurada afronta à legislação citada, bem como aos arts. 65 e 66 do Código de Ética Médica.

Todavia, a tipificação do art. 317 do CP exige a comprovação de recebimento de vantagem indevida pelo médico, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesas, conquanto desatendidas as normas administrativas.

Com efeito, o uso da aparelhagem de videolaparoscopia importam em custos de manutenção e reposição de peças, não sendo razoável obrigar o médico a suportar tais gastos, em especial quando houver aquiescência da vítima à adoção da técnica cirúrgica por lhe ser notoriamente mais benéfica em relação à cirurgia tradicional ou “aberta”.

Desse modo, o reembolso dos gastos pelo uso do equipamento não representa o recebimento de vantagem pelo acusado, não demonstrada a elementar normativa do art. 317 do Código Penal.”


[1] Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021.

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