Pessoa jurídica e prescrição do crime ambiental

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE XXXX

Processo-Crime nº

 FULANO DE TAL LTDA, pessoa jurídica de direito privado, por seu advogado, expõe:

Da questão jurídica.

A pessoa jurídica pode ser penalmente responsabilizada por crime ambiental, quando cometido por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade, conforme dispõe o art. 3º da Lei nº 9.605/98, também designada Lei dos Crimes Ambientais.

As sanções nela previstas são multarestritivas de direitos (suspensão parcial ou total de atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações pelo prazo máximo de dez anos – art. 21, I, II e III; art. 22, I, II e III) e  prestação de serviços à comunidade (custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas,  manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas – art. 23, I, II e III).

No entanto, tendo em vista que a Lei Ambiental não fixa os limites mínimo e máximo de execução, as restritivas de direitos e prestação de serviços não possuem dimensão temporal que lhes possa servir de base ao cálculo da prescrição, à qual estão sujeitas, evidentemente, máxime porque a CF estabelece a prescrição como regra geral, enumerando as exceções de modo taxativo.

Em razão disso, numa aplicação subsidiária autorizada pelo art. 79, da Lei dos Crimes Ambientais, o tempo de prescrição deve ser o mesmo da pena de multa, de dois anos, fixado pelo art. 114, I, do CP.

Se a multa, as restritivas de direitos e a prestação de serviços à comunidade não são penas privativas de liberdade, justifica-se, uma vez que o seu caráter penal é indiscutível, a aplicação in bonam partem da mesma norma penal que estabelece o prazo prescricional da multa (nesse sentido: STJ, EDcl no AgRg no REsp nº 1230099/AM, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 27/08/2013). As normas que disciplinam os prazos prescricionais são normas penais, exclusivamente. Estão disciplinadas no Código Penal (art. 109), inclusive quanto à sua forma de contagem (art. 10 do CP), e encontram sua razão de ser na proteção do status libertatis frente ao poder punitivo estatal.

Não fosse o bastante, justifica-se também porque, diferentemente do sistema do CP, em que as restritivas de direitos e a prestação de serviços funcionam como substitutivas e possuem os mesmos prazos prescricionais previstos para as privativas de liberdade (art. 109, § único, do CP), na Lei Ambiental são penas autônomas (arts. 21 e 22), sem aptidão a essa função substitutiva, uma vez que a pessoa jurídica não é passível de punição pela privação da liberdade:

“A pena de prestação de serviços na Lei 9.605/98 para as pessoas jurídicas não é espécie do gênero pena restritivas de direito em consonância com o Código Penal e as penas restritivas aplicadas às pessoas físicas na Lei ambiental (art. 8.º, I); mas sim, pena autônoma e gênero. Demais disso, as penas em espécie do gênero prestação de serviços à comunidade são as seguintes: custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas” (Denise Hammerschmidt, in Sanção Penal e Pessoa Jurídica na Lei dos Crimes Ambientais Brasileira, www.enm.org.br).

Conclusivamente, pois, em termos da questão jurídica apresentada, o vácuo legislativo sobre a regra prescricional enseja a solução mais razoável, e que consiste em equiparar, para efeito de prescrição, como penas ambientais à pessoa jurídica, as restritivas de direito e prestação de serviços à pena de multa.

Do tempo do crime, termo inicial do prazo prescricional.

A peticionária foi denunciada pelo crime do art. 39 (Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente), por fatos ocorridos “em datas e horários diversos, não precisamente identificados nos autos do inquérito policial, porém notadamente no ano de 2012, tal qual afirmado pela peça acusatória à fl. 2, verso – grifamos.

Apesar dessa falta de especificação, a fixação do tempo do crime é providência judicial indispensável, especialmente pelos efeitos jurídicos que é capaz de produzir no presente caso, em virtude de ser o termo inicial do lapso prescricional, ex vi do art. 110, I, do CP: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:  I – do dia em que o crime se consumou”.

Considerando que a diligência conjunta da Promotoria de Justiça local e Secretaria Municipal do Meio Ambiente, que teria constatado a existência de indícios de crime e dado causa às investigações policiais que resultaram neste processo, ocorreu, conforme documento da fl. 10, em 4 de junho de 2012, esta data dever ser reputada como o “dia em que o crime se consumou”, na expressão do art. 110, I, do CP. Daí, inclusive, e certamente por isso, o uso do advérbio notadamente pela peça acusatória ao referir-se ao ano de 2012.

Pois bem. Entre o dia 4 de junho de 2012 (ou, ad argumentandum, e exageradamente, como tempo máximo do crime, mesmo que entre o último dia do ano de 2012 – 31 de dezembro), e a data do recebimento da denúncia, 12 de janeiro de 2015, causa interruptiva da prescrição (art. 117 do CP: “O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa”), passaram-se mais de dois anos, operando-se, assim, pela prescrição (arts. 107, IV, 111 e 114, I, todos do CP), matéria de ordem pública que exige reconhecimento de ofício, a irreversível extinção da pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia contra a peticionária, pessoa jurídica de direito privado.

Da orientação jurisprudencial.

Sobre o tema suscitado, formou-se entendimento, que hoje se pode afirmá-lo uniforme no âmbito do TJRS, que “independentemente da pena aplicada – restritiva de direitos, prestação de serviços à comunidade ou multa –, o prazo prescricional dos crimes ambientais cometidos por pessoa jurídica decorre em dois anos” (MS nº 70067367250), porque, “não havendo limites mínimo e máximo para o cumprimento das penas restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade impostas às pessoas jurídicas pelo cometimento de delitos ambientais, deve ser utilizado o prazo mínimo prescricional de dois anos previsto no Código Penal (AC nº 70035519289).

 Para ilustração, pede vênia para trazer à colação as seguintes ementas:

 Do Segundo Grupo Criminal:

CRIME AMBIENTAL. AÇÃO PENAL INTENTADA CONTRA PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. EMBARGOS INFRINGENTES. Prescreve em dois anos a pretensão punitiva e bem assim a pretensão executória dos crimes ambientais atribuídos à pessoa jurídica. Aplicação analógica da regra contida no art. 114, I, do Código Penal, na ausência de regra expressa na lei 9.605/1998 (Embargos Infringentes nº 70027273390).

Consta do respectivo acórdão:

“Com efeito, nosso sistema jurídico estabelece, como critérios à verificação da prescrição, a) para a infração penal cuja pena for prisão simples, detenção ou reclusão, o máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, ou aplicada na sentença, verificando-se nos prazos indicados nos seis incisos indicados no art. 109 do CP ou, b) para a infração penal cuja única pena cominada ou aplicada for a multa, dois anos (CP art. 114, I). A pena, a medida penal, ou que outra denominação tenha, cominada na Lei Ambiental contra a pessoa jurídica, não é prisão simples, detenção ou reclusão. Não é pena privativa de liberdade. É a multa, a restrição de direitos ou a prestação de serviços à comunidade (Lei 9.605/1998 – art. 21). Esta modalidade de sanção jurídica mais se aproxima da sanção pecuniária penal, cuja regra de prescrição é diversa daquela prevista para a infração penal punida com pena privativa de liberdade.  A sanção jurídico penal a que está sujeita a pessoa jurídica prescreve, portanto, não em vinte, dezesseis, doze, oito ou quatro anos, como regulado no art. 109 do CP, mas sim em dois anos” (grifamos).

Da Quarta Câmara Criminal:

MANDADO DE SEGURANÇA. AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM ABSTRATO. OCORRÊNCIA. PRAZO DA PRESCRIÇÃO: ART. 114, INC. I, DO CP. O entendimento firmado por esta Câmara é de que, independentemente da pena aplicada – restritiva de direitos, prestação de serviços à comunidade ou multa –, o prazo prescricional dos crimes ambientais cometidos por pessoa jurídica decorre em 02 (dois) anos. Transcorrido o aludido período de tempo entre a data do recebimento da denúncia até o presente momento, é de ser declarada a extinção da punibilidade em face da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, com fundamento no art. 114, inc. I, do CP, e nos termos da orientação jurisprudencial do STJ e desta Colenda Câmara (MS nº 70067367250, Quarta Câmara Criminal).

APELAÇÃO CRIMINAL. AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PRAZO PRESCRICIONAL DE DOIS ANOS. PRESCRIÇÃO VERIFICADA. PRECEDENTES DA CÂMARA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. MÉRITO PREJUDICADO (Apelação nº 006653926, julgada em 26 de novembro de 2015).

HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. CONDENAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. UNÂNIME (Habeas Corpus, nº 70067185710).

APELAÇÃO-CRIME. AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PENA RESTRITIVA DE DIREITO E PENA DE MULTA APLICADAS DE FORMA AUTÔNOMA. PRAZO DA PRESCRIÇÃO: ART. 114, INC. I, DO CP. Tendo em conta que a ré é pessoa jurídica, a pena restritiva de direito prestação pecuniária fora aplicada de forma autônoma (art. 21, da Lei nº 9.605/98), para a qual não há definição de prazo prescricional. Atenta a isto, esta Câmara passou a utilizar, por equiparação, o prazo aplicado à pena de multa, qual seja, de dois anos, como reza o art. 114, inc. I, do CP. Transcorrido o aludido período de tempo entre a data do recebimento da denúncia até a data da publicação da sentença, a pretensão punitiva estatal fora atingida pela prescrição da pena concretamente aplicada, nos termos do art. 107, inc. IV, c/c art. 114, inc. I, do CP. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE(Apelação Crime Nº 70054678164, Quarta Câmara Criminal, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 18/07/2013).

APELAÇÃO-CRIME. AMBIENTAL. ART. 56, DA LEI Nº 9.605/98. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. Transcorrendo período superior a quatro anos entre a data do recebimento da denúncia até a publicação da sentença condenatória – que transitou em julgado para a acusação -, sendo aplicada pena autônoma de multa para a pessoa jurídica, e pena privativa de liberdade de um ano de reclusão para as pessoas físicas, é de ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em face da pena in concreto, a teor dos arts. 107, inc. IV, 110, § 1º, e 114, inc. I, do CP. DE OFÍCIO, EXTINTA A PUNIBILIDADE. (Apelação Crime Nº 70054976386, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 18/07/2013).

APELAÇÃO CRIME. CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. IMPOSIÇÃO DE PENAS AUTÔNOMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E MULTA. PRAZO PRESCRICIONAL DE DOIS ANOS POR EQUIPARAÇÃO AO ART. 114, I, CP. PRESCRIÇÃO DECLARADA. UNÂNIME. APELAÇÃO. Para configuração do delito tipificado no art. 56 da Lei nº 9.605/98 há necessidade de prova de que os produtos eram perigosos ou nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente, o que torna a perícia indispensável para comprovar a materialidade do crime. A ausência de perícia conduz à absolvição. Apelo provido. Unânime(Apelação Crime Nº 70050662527, Quarta Câmara Criminal, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 06/12/2012).

APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. IMPOSIÇÃO DE PENA DE MULTA. PRAZO PRESCRICIONAL DE DOIS ANOS POR EQUIPARAÇÃO AO ART. 114, I, CP. PRESCRIÇÃO DECLARADA. UNÂNIME. DESTRUIR E DANIFICAR FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (Apelação Crime Nº 70060400801, Quarta Câmara Criminal, RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 04/12/2014).

CRIME AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO. 1. Em razão da pena privativa de liberdade aplicada ao réu pessoa física, impõe-se o reconhecimento da prescrição. 2. Quanto à pessoa jurídica, a pena de multa lhe imposta prescreve no mesmo prazo previsto no CP, qual seja, 2 (dois) anos, motivo pelo qual imperiosa a extinção da punibilidade. 3. Por outro lado, a lei não estabelece limites mínimo e máximo para o cumprimento das penas restritivas de direitos, as quais, ao contrário do CP, não são substitutivas, mas, sim, autônomas. Este quadro dá margem ao problema da prescrição, máxime quando a CF estabelece a prescrição como regra geral, enumerando as exceções de modo taxativo. Nesta hipótese, ante o vácuo legislativo, entendo que a solução mais razoável consiste em equiparar, para efeito de prescrição, a prestação pecuniária (art. 23, IV, Lei nº. 9.605/98) à multa. Por este motivo, observado o prazo prescricional de 2 (dois) anos, os fatos, bem ou mal, estão prescritos. Apelação provida para declarar extinta a punibilidade dos réus. (Apelação Crime Nº 70016742751, Quarta Câmara Criminal, Relator: José Eugênio Tedesco, Julgado em 26/10/2006).

 APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO AMBIENTAL. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO À PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (Apelação Crime Nº 70061890638, Quarta Câmara Criminal, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 26/02/2015).

Da Sexta Câmara Criminal:

APELAÇÃO CRIME. CRIME AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO. COMERCIALIZAÇÃO DE AGROTOXICO (ART. 15, DA LEI 7.802/89). Não havendo limites mínimo e máximo para o cumprimento das penas restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade impostas às pessoas jurídicas pelo cometimento de delitos ambientais, deve ser utilizado o prazo mínimo prescricional de dois anos previsto no Código Penal (Apelação Crime Nº 70035519289, Sexta Câmara Criminal, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 07/10/2010). Consta do acórdão a seguinte passagem: “Assim, a inexistência de limites máximo e mínimo para as penas restritivas aplicáveis às pessoas jurídicas conduz ao problema relativo à prescrição, já que a Constituição Federal prevê, como regra geral, a ocorrência de prazo prescricional e enumera taxativamente as exceções. Logo, verifica-se que, embora os delitos ambientais imputáveis às pessoas jurídicas devam possuir regramento quanto à prescrição, este não existe no tocante às penas restritivas de direitos. Diante, portanto, de tal vácuo legislativo, entendo que a solução mais razoável consiste em utilizar o prazo prescricional mínimo estabelecido no Código Penal, que é o de dois anos”.

Da Turma Recursal Criminal:

MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME AMBIENTAL. ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA. ART 60 DA LEI 9.605/98. IMPUTAÇÃO CONJUNTA À PESSOA JURÍDICA E AO RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO DA OBRA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DA PESSOA FÍSICA. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE.  1- É cabível o Mandado de Segurança em ação penal instaurada contra pessoa jurídica por crime ambiental. 2- A extinção da punibilidade do corréu, pessoa física, pela incidência da prescrição, em decorrência da concessão de habeas corpus, anulando o recebimento da denúncia em relação a ele, não se comunica à impetrante, nem configura nulidade o prosseguimento da ação tão somente contra a empresa, situação que não se confunde com a hipótese de imputação exclusiva, não admitida pela lei ambiental. SEGURANÇA DENEGADA (Mandado de Segurança Crime, nº 1003317823).

Consta do respectivo acórdão:

“A primeira questão a considerar é que, embora o artigo 7º da Lei nº 9.605/98 estabeleça, tal como ocorre no artigo 44 do CP, que as penas restritivas de direito são substitutivas em relação às privativas de liberdade, tal não está a significar que, também em relação às pessoas jurídicas se revistam de tal natureza, notadamente porque a pena privativa de liberdade não é aplicável a estas. Com efeito, pelo que se extrai do disposto nos artigos 21 e 22 da Lei nº 9.605/98, que estipula regramento específico no que concerne às penas aplicáveis à pessoa jurídica, não está a pena restritiva de direitos estabelecida como substitutiva, o que afasta a incidência do disposto no artigo 7º da referida Lei.  Assim, não há como adotar, para fins de apuração da prescrição, o prazo da pena detentiva, notadamente porque não estamos diante de pena substitutiva. Na realidade, embora não haja um prazo estabelecido em lei para a prescrição da pena restritiva de direitos quando cominada como principal, tal previsão existe em relação à pena de multa, também cominada à pessoa jurídica. Isso justifica a aplicação do disposto no artigo 114, I, do Código Penal, seja por não revestir-se da natureza de pena substitutiva, seja por inexistir previsão legal que autorize a aplicação do mesmo prazo estabelecido para a pena detentiva”.

Nesse mesmo sentido, do Superior Tribunal de Justiça:

“Observando-se o que estabelece o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê a aplicação subsidiária do Código Penal, incide subsidiariamente, na falta de previsão específica, o disposto no art. 114, I, do Código Penal, segundo o qual “a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada.” Isso porque a multa, assim como a prestação de serviços à comunidade são penas não privativas de liberdadeo que justificaria a aplicação do mesmo prazo prescricional excepcionalmente nessa hipótese” (EDcl no AgRg no REsp 1230099/AM, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 20/08/2013, DJe 27/08/2013 – grifamos).

Da orientação doutrinária.

Em artigo publicado no sítio da Associação Mineira do Ministério Público, Rodrigo Iennaco de Moraes, com absoluta precisão, oferece o seguinte e valioso reforço à argumentação desta peça:

“O art. 7o, da Lei 9.605/98 prevê, a exemplo do sistema do Código Penal, que as penas restritivas de direito são substitutivas em relação às privativas de liberdade, tendo aquelas inclusive a mesma duração que teriam estas, quando substituídas. Porém, a despeito de tal similaridade com o CP, a lei ambiental, em relação à pessoa jurídica, traz disciplina específica nos seus arts. 21 e 22, afastando a dicção do art. 7o e mesmo de seu congênere do Código Penal. É que, em relação à pessoa jurídica, as penas restritivas de direito não são substitutivas e, sendo assim, para elas não há previsão expressa de prazo de duração nem de prazo prescricional. Isso porque o parágrafo único do art. 7o refere-se taxativamente ao seu próprio caput (grifo do texto).

“Duas considerações, a partir daí, merecem ser registradas: a) na disciplina da lei ambiental aplicável à pessoa jurídica a pena de multa (art. 21, I, Lei 9.605/98) – e também a prestação de serviços à comunidade (arts. 21, III, e 23) – não é pena restritiva de direito (art. 21, II); b) as penas restritivas de direito aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente à pessoa jurídica não são substitutivas, não possuem prazo previamente fixado nem regime especial de prescrição.

“A segunda assertiva (letra b supra) se confirma ainda pela interpretação sistemática, à luz do disposto no art. 22, §3o, que limita uma das penas restritivas de direito da pessoa jurídica ao prazo de 10 (dez) anos, sendo que nenhum crime previsto na lei em comento comina pena máxima sequer próxima a esse patamar. O que nos leva a crer, também, que as demais penas restritivas de direito poderiam ser fixadas por período superior a 10 (dez) anos – embora não se admita, constitucionalmente, pena de caráter perpétuo (ao menos em relação às sanções corporais, cujo tempo de cumprimento de prisão é limitado, inclusive, em trinta anos).

“Estabelecidas tais premissas, chegamos à conclusão de que o único referencial para prescrição de crime ambiental imputado à pessoa jurídica é o do art. 114, I, do Código Penal, porque: a) em regra, será a pena aplicada – e a única que possui disposição expressa a respeito da prescrição; b) ainda que aplicada cumulativamente a uma pena restritiva de direito ou prestação de serviços à comunidade, não se poderia invocar o disposto no art. 114, II, do CP; primeiro porque a pena privativa de liberdade não se aplica à pessoa jurídica, segundo porque em relação às duas outras modalidades passíveis de cumulação não há outro regime prescricional previsto.

“Entendimento diverso remeteria o prazo prescricional, sem respaldo legal explícito, ao arbítrio do juiz, que elevaria livremente o prazo prescricional ao prever sanções por período demasiadamente elástico, unicamente para fugir do prazo de prescrição exíguo da multa (grifamos).

“Se se pretender eficaz a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, que se materialize sua responsabilidade no prazo de dois anos, sob pena de extinção da punibilidade – observados, obviamente, os marcos interruptivos da prescrição’.

Em igual compreensão, a doutrina da professora paranaense Denise Hammerschmidt, sob o título Sanção Penal e Pessoa Jurídica na Lei dos Crimes Ambientais Brasileira:

Não há nenhuma regra específica para a prescrição na Lei 9.605/98. Por analogia, opera-se em dois anos a prescrição para o caso da multa (art. 114, I do CP). Com relação às penas restritivas de direito, o art. 109, parágrafo único do CP, prevê que, na hipótese de substituição, em relação às penas restritivas de direito aplicam-se os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade. Além disso, na Lei Ambiental, as penas restritivas não são substitutivas, mas autônomas. Dessa maneira, a solução deve ser buscada na duração da pena restritiva imposta, a qual deverá servir de base para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva (www.enm.org.br).

Em definitiva referência, cumpre mencionar a orientação esposada pela ilustrada Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, do Ministério Público Estadual, em parecer lançado e acolhido no julgamento da Apelação nº 70061890638:

“Inexistindo definição de prazo prescricional para a pena de prestação pecuniária imposta de forma autônoma à pessoa jurídica, aplica-se analogicamente o disposto no artigo 114, I, do Código Penal, mesmo prazo utilizado para a prescrição da pena de multa”.

Do requerimento.

Diante do exposto, com base no art. 79, da Lei dos Crimes Ambientais, em sua combinação com o art. 114, I, do Código Penal, e suficiente reforço na consolidada orientação jurisprudencial do TJRS e do STJ, a peticionária requer seja sumariamente absolvida por Vossa Excelência, em decisão fundamentada na extinção da punibilidade, pela prescrição, conforme previsto no art. 397, inc. IV, do CPP, c/c os arts. 107, IV, 111 e 114, I, todos do CP.

Justifica-se plenamente a oportunidade para oferecimento, exame e decisão desse requerimento no atual estágio do procedimento penal, sem deixá-lo para o tempo da sentença, seja porque “a prescrição é matéria de ordem pública que supera toda e qualquer arguição das partes” (Apelação Crime nº 70046896148, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, em crime imputado a pessoa jurídica, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 29/11/2012), seja para que a audiência de propositura de suspensão condicional do processo, a realizar-se mediante carta precatória em Flores da Cunha, não envolva pretensão punitiva estatal já extinta, sob pena de malferimento ao devido processo.

Pede deferimento, prequestionando, para os devidos fins, todos os dispositivos das leis federais abordados.

XXXX, 13 de maio de 2016.

Carlos Otaviano Brenner de Moraes,

OAB/RS nº 12.209.

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